Abandono faz Casa de Cacos de Contagem perder brilho que encantou gerações

Comprado pela prefeitura e tombado como patrimônio cultural do município, imóvel que foi tomado como obra por artesão e tornou-se atração turística transformou-se em incômodo para vizinhança

por Walter Sebastião 15/01/2013 09:05

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Ramon Lisboa/EM/D.A Press
Reformada em dez anos com ajuda de amigos, casa revestida de louça sofre com o tempo (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
 A Casa de Cacos em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, expressa momento da arte popular de Minas Gerais que, nos anos 1970, ganhou admiradores e notícias no Brasil e no mundo. Hoje, a construção vive situação difícil. Fechada desde 2005, segundo a prefeitura para garantir a integridade da edificação, já que visitantes poderiam colocar em risco a estrutura do imóvel, desde então não recebeu a prometida atenção. E o que hoje se vê são os caprichosos mosaicos do imóvel sujos, com peças quebradas e construção com ares de ruína. E sob suspeita de ter se tornado, como contam vizinhos, ninho de escorpiões e abrigo de delinquentes. A torcida dos moradores da região é para que a obra criada por Carlos Luiz de Almeida recupere o brilho de outrora.

A singularidade da Casa de Cacos, mesmo fechada há sete anos, continua na memória da população de Contagem. Lívia Lara Dias de Moraes, de folga na passagem do ano, estava no local com filhas e sobrinhas, procurando saber como entrar no imóvel. Ela conheceu a Casa de Cacos quando criança. “Era muito diferente do que estávamos acostumadas”, recorda. Percorrer o imóvel, de acordo com ela, deixava impressão forte no visitante. A filha Sofia, de 10 anos, conheceu o endereço, mas só viu a fachada em passeio promovido pela escola. “Gostaria de saber como é lá dentro. Me disseram que é muito bonito”, observa. Mãe e filha têm a mesma opinião: é preciso preservar monumento que é um dos raros pontos turísticos de Contagem.

O casal Darcy Ferreira da Silva e Raimundo Souza da Silva mora há 40 anos em frente à Casa de Cacos. Ele tomava conta do local; ela viu a fama e decadência da obra que sempre chamou sua atenção. “Quando o dono estava vivo, zelava por tudo. A casa era a menina dos olhos dele”, conta. “Era uma joia. Tinha parquinho para as crianças no quintal, vinha gente do Japão e dos Estados Unidos para conhecer e todos ficavam surpresos”, recorda. E, para que não reste dúvida quanto ao que está dizendo, traz publicação sobre o imóvel, que Carlos Almeida deixava com o casal para vender aos visitantes. “Desde que a Casa de Cacos foi vendida para a prefeitura, acabou”, lamenta, contando que só escolas ainda levam alunos até o local.

Ramon Lisboa/EM/D.A Press
Elefante de louça era uma das principais atrações do show que entretinha visitantes (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
A defesa de restauração e cuidados com a casa, por parte dos vizinhos do imóvel, tem motivo. O abandono, contam, levou o local a se tornar abrigo de “pessoas suspeitas”. E escorpiões chegaram à rua. Foi o medo dos últimos, além de incômodo com entulho e sujeira, que levou a um pedido de limpeza do local, que, recentemente, ganhou uma faxina e capina. “Sem luz, alarme ou vigia, totalmente abandonada, a casa gera situação complicada. Já teve gente entrando à noite no local”, conta Ester Ramos, de 55 anos, também vizinha da Casa de Cacos, há décadas morando na Rua Ignez Glanzmann. “A casa era rústica, mas um espetáculo. É obra de um artesão, conhecida nos quatro cantos do mundo”, garante.

Ester Ramos defende que o local tenha vigia e faxineira, de modo que se impeça que a situação do monumento se agrave ainda mais. Vê com desconfiança a alegação de falta de recursos, já que, como recorda, quando o “dr. Carlos estava vivo mantinha tudo em ordem, cobrando valor simbólico pela visita”. Com relação à personalidade do criador, conta que Carlos Almeida era homem simpático, cheio de histórias e comunicativo. “E que gostava de ser diferente”, afirma. Fez roupa de cacos, usada para receber visitantes. Como o traje ficou muito pesado, fez outro, de retalhos, simulando cacos. O apego dos vizinhos à obra tem motivo: como gostam de recordar, todo mundo da região ajudou a construir, inclusive as crianças.

José Márcio Pinheiro da Rocha é outro vizinho com fama de ter sido auxiliar de Carlos de Almeida. “Foi uma ótima pessoa”, afirma. “Casa, mesa, armário e até papel higiênico eram feitos de cacos de louças”, conta. Seja cópia da Catedral de Brasília, de Oscar Niemeyer, que fazia o maior sucesso, ou o elefante que falava, uma das atrações mais destacadas pelos visitantes. Dentro do bicho, escondido, José Márcio respondia às perguntas feitas por Carlos de Almeida sobre nome, idade, cor da roupa do visitante, em show para entreter o público. “É triste ver a casa fechada”, lamenta.

Ramon Lisboa/EM/D.A Press
Réplica da Catedral de Brasília homenageia Oscar Niemeyer nos jardins da casa (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

Portas fechadas

Representantes da antiga e da atual gestão municipal de Contagem adiaram proposta de visita da reportagem ao interior da Casa de Cacos, sob alegação de transição administrativa. A Secretaria de Comunicação, na gestão Marília Campos, enviou nota, no fim de dezembro, em que diz que “foi feito estudo com o objetivo de elencar o que deveria constar em um projeto de restauro que atenda as exigências técnicas necessárias e as especificidades de que obra de arte, como a Casa de Cacos, requer”. E que só depois do término dos estudos e contratação de empresa especializada seria possível prever reabertura do imóvel, sem contudo apontar prazos.

Arquivo EM
Carlos Luiz de Almeida teve a ideia de revestir todo o imóvel com suas criações após reformar um banheiro da casa por conta própria (foto: Arquivo EM)
Renata Lima, nova diretora da Casa de Cultura de Contagem, também preferiu se manifestar sobre a Casa de Cacos por e-mail. Para ela, o local precisa de “revitalização urgente”, mas está na dependência de diagnóstico sobre situação do local. “A Casa de Cacos foi encontrada em situação de abandono. A nova gestão já solicitou a limpeza e capina do local.” Sobre a reabertura do espaço, Renata Lima afirma que está buscando preservar uma das edificações mais significativas de Contagem. “A nova gestão pretende fazer um levantamento e diagnóstico do projeto arquitetônico local e promover a revitalização da Casa de Cacos. A nossa intenção é reabri-la para visitação da comunidade.” Também não foram informados os prazos para conclusão dos estudos, restauração e reabertura do espaço.

 

A OBRA E O CRIADOR
A Casa de Cacos de Contagem é criação do geólogo Carlos Luiz de Almeida (1910-1989). Fica no número 132 da Rua Ignez Glanzmann (homenagem à mãe de Carlos), no Bairro Bernardo Monteiro. O ponto de partida foi a reforma de um banheiro, em 1964, ambiente que foi revestido com cacos de louças. Os amigos gostaram e incentivaram Carlos a continuar. Uma década mais tarde, todo imóvel, muros e passeio estavam transformados. Havia retrato de JK feito com o mesmo material, só que vindo de Diamantina, segundo o geólogo, “para ficar mais autêntico”.  O trabalho foi feito por Carlos aos sábados, domingos e feriados, sozinho ou ajudado por vizinhos. A dedicação ao projeto fez com que o geólogo ganhasse a fama de louco. Mas a casa acabou virando atração e fez de seu criador uma celebridade. Carlos Almeida certa vez definiu a construção como “uma revolução na arquitetura contemporânea”. O imóvel foi comprado pela Prefeitura de Contagem em 1990 e tombado como patrimônio cultural do município em abril de 2000.

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