Rui Mourão conta como começou a escrever e diz que não acredita em vocação

por Walter Sebastião 06/01/2013 10:42

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 Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
"A literatura foi muleta fundamental para mim" - Rui Mourão (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
“Ninguém nasce para ser alguma coisa, vai sendo encaminhado para ela”, garante Rui Mourão, de 82 anos, com voz mansa. Diretor do Museu da Inconfidência desde 1974, ele vive momento de saborear atenção sobre a atividade que cultivou a vida inteira: a literatura. Vinda, inclusive, do fato de, pelo conjunto da obra, ter recebido o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura, já concedido a Affonso Ávila (2011), Silviano Santiago (2010), Luis Fernando Veríssimo (2009), Sérgio Sant’Anna (2008) e Antonio Candido (2007). Na origem do encanto com a atividade literária, conta o escritor, esteve a família. “Meu pai foi leitor e entusiasta de Rui Barbosa. Eu ia me chamar Rui Barbosa. Como reclamaram que na família não havia ninguém com nome de santo, tornei-me José Rui”, conta.

Um tio dele montou em Bambui, Oeste de Minas onde Rui nasceu, cidade que nem leitores tinha, uma livraria gigantesca, com volumes do Brasil e do exterior. O acervo serviu para os integrantes da família, que gostavam de ler, pegar obras emprestadas. “Uma tia, solteira, que tomava conta da gente, era notável contadora de histórias. Ficávamos comendo doce e ouvindo. Eu disse a ela que ia fazer livro com as histórias e colocar o meu nome”, ele recorda, com bom humor. Aos 12 anos, foi estudar em Formiga. As ambições literárias se expandiram quando ele se deslocou para Divinópolis, onde concluiu o ginasial, integrando turma que gostava de escrever. “Tínhamos um professor de português que tonava a atividade muito estimulante”, observa.

Em 1945, com a morte do pai, ele foi para São João del-Rei, morar com o avô e fazer o científico. “Ninguém por lá mexia com literatura. Fiquei com cartaz de escrever bem por causa de crônicas e de comentários que fiz para a rádio”, conta Rui Mourão. Para trabalhar e continuar os estudos, precisava se mudar para Belo Horizonte. Mas, na época, conseguir transferência de colégio era difícil. Sugeriram a ele que se valesse de atestado médico, mas um médico se negou a ajudá-lo. “Escrevi, então, uma carta para o presidente Getúlio Vargas. E ele respondeu”, recorda, ainda hoje espantado com a atitude do político. O presidente enviou correspondência ao Ministério da Educação, pedindo uma solução para o problema do jovem estudante mineiro.

No fim dos anos 1940, Rui já estava em Belo Horizonte, onde fez curso de direito, mas nunca exerceu a profissão (“também não me identificava com a atividade de professor”). O fato de ter colocado textos no quadro-negro, em sala de aula, chegou ao conhecimento do colega Fábio Lucas, que o convidou para, junto com o escritor Affonso Ávila, criar a revista Vocação, dedicada a jovens autores. O trio criou, em 1957, a revista Tendência. “Queríamos uma linguagem atualizada, para exprimir as coisas brasileiras, e não apenas textos com conteúdos nacionais”, observa. “Graciliano Ramos tem linguagem eficiente para exprimir a secura, a solidão nordestina”, afirma Rui Mourão, exemplificando a estética que o grupo Tendência admirava e promovia.

Para Rui Mourão, diferentemente inclusive do que eles achavam, secura, despojamento, redução dos elementos, ênfase no sintético não são sinônimos da escrita mineira. “Se for assim, o que vamos fazer com Guimarães Rosa?”, provoca. A abundância de tudo, dos textos de Guimarães, observa, é solução precisa encontrada pelo escritor para falar de região igualmente abundante no que se refere a folclore, mitos, histórias etc. “Personagem, representação, teatralização das cenas, diálogos, movimento são elementos essenciais da ficção”, afirma considerando que prosa é território diferente da poesia, essa, por natureza, é concisa. “Poesia exprime a essência do ser; a prosa, as condições do ser, o estar”, argumenta.

Visão pessoal

Rui Mourão já publicou os romances As raízes, Curral dos crucificados, Cidade calabouço, Jardim pagão, Monólogo do escorpião, Servidão em família, Boca de chafariz, Invasões do carrossel, Quando os demônios descem o morro. E os livros de ensaios Estruturas (sobre Graciliano Ramos); Museu da Inconfidência (com colaboradores), O alemão que descobriu a América e A nova realidade do museu. Como ponto de partida, para quem não conhece os livros dele, sugere o livro Boca de chafariz. “É retrato de Ouro Preto, com linguagem fluente e visão muito pessoal”, conta. A obra tem como eixo a enchente que abalou a cidade nos anos 1970, por trazer ameaça de desaparecimento de áreas da cidade.

Quem quiser avançar um pouco mais pode buscar Quando os demônios descem do morro, reconstituição e desmonte da antiga Vila Rica. Tradução de momento que Rui estava às voltas com a reestruturação do Museu da Inconfidência. Ele levou essa vivência para o livro (o personagem é, inclusive, diretor de museu). “É um romance que avança no sentido de explicitar valores próprios de Ouro Preto”, observa. O escritor está finalizando novo trabalho sobre a antiga Vila Rica. O nome é Mergulho na região do espanto. Ele adianta apenas que vai ser sobre o ouro. O livro padeceu com imprevistos. Foi roubado o notebook com o texto. Até havia um backup, mas sem dois capítulos. Que foram reescritos, acabaram se perdendo mais uma vez e tiveram nova redação.

“Só volto a um assunto quando enxergo novas perspectivas”

• Ouro Preto – “Transformou minha linguagem literária. Escrevendo Boca do inferno cheguei à conclusão de que é cidade que se recupera permanentemente, sempre renasce pela sua força e significação cultural. É bela, plástica, flutuante, leve – não tem o peso das cidades antigas peruanas. É conjunto urbanístico maravilhoso, que surgiu espontaneamente em local improvável: entre paredões de montanhas. O sobe e desce nas ruas é um encanto. A arquitetura, a paisagem, o significado histórico e político fazem de Ouro Preto cidade única. Não há nada assim no Brasil ou nas Américas.”

• Literatura – “Escolhi a literatura como um modo de ser brasileiro. Não acredito em vocação, o que há é persistência no desenvolvimento de uma atividade. E mantive fidelidade absoluta à escrita. Essa fidelidade tinha razões objetivas. Era uma pessoa emotiva, suscetível a mudanças de estados psicológicos, tinha muita angústia e depressão. A literatura foi muleta fundamental para mim. À medida que fui me realizando, fui virando outro homem. Tenho prazer extraordinário em escrever. É atividade que, para mim, não pesa, pelo contrário, me deixa leve.”

• Obra – “Os livros são muito diferentes em tudo. Não me interessa repetir nem diluir o realizado. Só volto a um assunto quando enxergo novas perspectivas sobre ele. São trabalhos que conversam do ponto de vista estrutural e como pesquisa de linguagem, que, com o passar do tempo, foi ficando mais sofisticada. Aos poucos, depois de acidente com um parente que me deixou chocado, deixei de lado preocupação com a pesquisa, feita a priori, e comecei a trabalhar a partir da realidade mesmo, acompanhando um tema que vai se desenvolvendo. Enquanto estava em Belo Horizonte, escrevi sobre a cidade. Foi a ida para Ouro Preto que fez mudar o foco.”

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