Há um mês, moradores de Venda Nova convivem com os seres mascarados do projeto Naquele Bairro Encantado

Fantasia e realidade se misturam no dia a dia dessa comunidade da Região Norte

por Ailton Magioli 31/10/2012 08:50

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Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
Trupe do Grupo Teatro Público, que jamais tira a máscara em público, posa na sala de casa, na Rua Alcides Lins (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
 

 

Natural da Lagoinha, a aposentada Magnólia dos Anjos é uma das nove personagens da habitação teatral Naquele Bairro Encantado que trocaram a tradicional região boêmia pela acelerada urbanização do Vetor Norte de BH. A desenfreada especulação imobiliária levou o Grupo Teatro Público a se instalar na casa de quatro quartos da Rua Alcides Lins, 188, em Venda Nova. E é de lá que a trupe promete envolver a comunidade em seu novo projeto: de sexta-feira a 25 de novembro, três episódios serão apresentados em ruas e praças.

 

“Aqui, o aluguel está mais em conta para um bando de velhos aposentados”, consola-se dona Magnólia, interpretada por Larissa Alberti. Zé Poeta (Rogério Lopes), Julieta Leite dos Prazeres, a dona Juju (Rafaela Kênia), Pietro Nappo (Marcelo Alessio), Magnólia e os novatos Odorico (Diego Poça) e Evaristo Rossi (Rafael Bottaro) são os seres mascarados que têm chamado a atenção em Venda Nova. Além de caminhar pelas ruas, eles têm recebido convidados: Paulo Pedro Pinto (Fernando Linares), Líria (Helena Mauro) e um personagem mantido em segredo, a cargo do bailarino Leandro Belilo. Venda Nova, aliás, tem um fantasma – e “datado”. Desde sua primeira aparição, em 1989, na Quadra do Vilarinho, ele deixa saudades. Trata-se do capeta do Vilarinho, que, como gostam de lembrar os atores, é mais um dos seres misteriosos que rondam BH. Entre eles estão a loira do Bonfim, a moça-fantasma do Bairro da Serra (inspiração para o poema de Carlos Drummond de Andrade) e a velhinha rogadora de pragas do Palácio da Liberdade.

“Quem gosta de falar do capeta é a comadre”, diverte-se Zé Capeta, referindo-se a Magnólia. O pessoal da Quadra do Vilarinho conta que o fantasma apareceu por lá, mas acabou saindo desembestado. “O porteiro teria tentado segurá-lo, mas ele levantou a calça e deu um bicudo na perna dele”, acrescenta Zé. E informa: depois da black music e do funk, os frequentadores da Quadra do Vilarinho aderiram à street dance. “Mas até hoje há o Baile da Saudade na Danceteria Flash Dance”, comemora. Em meio a relatos assim, os personagens do projeto Naquele Bairro Encantado têm convivido há mais de um mês com a comunidade.

“São pessoas maravilhosas”, garante Weton Rausch Gea, de 48 anos, vizinho de frente dos atores. A casa desse motorista tem a fachada decorada por belas réplicas de aviões feitas em material reciclável pelo pai dele, Wilton Gea Zschaber. Weton não se assusta com o fato de a trupe sempre surgir mascarada, sem revelar a identidade dos integrantes. “O importante é o que eles transmitem”, afirma o motorista. O que o elenco vem ensinando aos moradores de Venda Nova importa mais que a aparência, garante.

Que o diga Valdevino Serafim dos Santos, o popular seu Beleza, de 73, proprietário de um sacolão. Acompanhado dos mascarados, ele teve a oportunidade de cantar A flor do meu bairro, de Adelino Moreira, enquanto atendia a clientela. “Espera, vou coar um café pra gente”, reagiu seu Beleza, depois da serenata diurna embalada pelo sucesso de Nelson Gonçalves. “Vou até anotar esta data maravilhosa, uma história importante na vida da gente”, anunciou o emocionado Valdevino, enquanto sua cliente, dona Mariinha, de 32, fazia questão de avisar: a namorada do comerciante não é ela. “Qual é o nome da irmã?”, perguntava Mariinha, testemunha de Jeová, às personagens. DOUTORADO O projeto do Grupo Teatro Público foi criado na Lagoinha, em março de 2011, quando o elenco alugou um imóvel no bairro. Posteriormente, a trupe participou do 11º Festival Internacional de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte, excursionou pelo Norte de Minas e foi a Portugal se apresentar no 9º Festival Teatro Agosto, no Fundão. Viabilizada pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura, a iniciativa é produto de mestrado e doutorado defendidos por Rogério Lopes na Universidade de Campinas (Unicamp) sobre o tema “O ator e o folião no jogo das máscaras da folia de reis”. A convite de um produtor de Barcelona, o elenco planeja novo espetáculo para ser levado a países europeus que não falem português e espanhol.

Coordenador do projeto, Rogério Lopes chama a atenção para o fato de os idosos – protagonistas da montagem – serem colecionadores de histórias. O uso da máscara é proposital, explica. “Elas quase revelam para as pessoas o que há de encantamento na vida delas”, justifica, atribuindo ao adereço o papel de mediador entre plateia e personagem. “Cabe a ele provocar o jogo. Teatralmente, proporciona o distanciamento do público para não quebrar a fantasia”, conclui.

 

 

Saiba mais

Pouso de tropeiros

 

Venda Nova é contemporânea do Curral d’el Rey, arraial que deu origem à capital mineira. Em 1711, a região já servia de pouso para tropeiros. “Estamos intimamente ligados à história de Belo Horizonte, Sabará e Santa Luzia”, afirma a historiadora Ana Maria da Silva, autora do livro Lembranças... Venda Nova. Com cerca de 250 mil habitantes, 31 bairros e 16 vilas, Venda Nova sente o impacto do crescimento da capital rumo ao Vetor Norte, impulsionado pela Linha Verde e pela instalação da Cidade Administrativa. Polo comercial e de serviços, a região carece de indústrias para empregar os moradores e tem no transporte público um de seus maiores problemas.

 

 

 NAQUELE BAIRRO ENCANTADO » Episódio 1 – Estranhos vizinhos     Em 5, 12 e 19 de novembro, das 17h30 às 19h30. Caminhadas e atividades no quarteirão formado pelas ruas João Lírio dos Santos e Alcides Lins, atrás da Regional Venda Nova » Episódio 2 – Ensaio para uma serenata     Em 2, 9, 16 e 23 de novembro, das 20h às 22h. Cantoria na Praça Fernando Monteiro Lara, perto da quadra Gol a Gol, e na Rua Santa Cruz, perto da Regional Venda Nova » Episódio 3 – Jogo da velha     Em 3, 4, 10, 11, 17, 18, 24 e 25 de novembro, às 19h. Rua Alcides Lins, 188, atrás da Regional Venda Nova. O público será convidado a conhecer a casa dos mascarados e sua intimidade 



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