A vez da periferia

A exposição Pop e popular, que será aberta hoje, traz a marca da visualidade suburbana, atualmente valorizada no país. "O Brasil redescobre o Brasil", diz o curador Marcus Lontra

por Walter Sebastião 27/10/2012 07:00

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Lemos de Sá/divulgação
Balão de São Pedro, obra de Deneir Martins (foto: Lemos de Sá/divulgação)
Pop popular brasileiro. É isso que o curador Marcus Lontra promete apresentar na exposição que será aberta hoje, a partir das 11h, na Lemos Sá Galeria de Arte, em Belo Horizonte. Ou seja: trabalhos com estética contemporânea que recuperam o imaginário e a visualidade das periferias dos grandes centros urbanos. O conjunto reúne obras de Deneir Martins, Edmilson Nunes, Felipe Barbosa, Jorge Fonseca, Marcone Moreira, Marcos Cardoso e Raimundo Rodriguez.

“É o Brasil redescobrindo o Brasil, a visualidade popular reconhecida como fonte importante da iconografia brasileira”, afirma Marcus Lontra, lembrando que a maioria dos artistas veio da periferia. Trata-se, ainda, de obras que afirmam a diversidade cultural e estética do país.

O pop brasileiro histórico – dos anos 1960 – sempre foi diferente das matrizes norte-americanas, ressalta Marcus Lontra. Quando Andy Warhol (1928-1987) gastava seu ar blasé e distanciado, por aqui os criadores propunham imagens calorosas e politizadas. Helio Oiticica (1937-1980), por exemplo, misturava abstração geométrica com samba, carnaval e favelas.

Lontra explica que os artistas reunidos na mostra Pop e popular trazem um olhar afetivo à visualidade suburbana – posição em que havia emblemas da contestação, em outras épocas. No universo popular atual – tão em voga com a ascensão da chamada “classe C” – salta aos olhos a riqueza gestual, estética e cultural.

“Mostra-se o Brasil que existe ao nosso lado e que não víamos, que não era permitido ver”, afirma Marcus Lontra. Ele considera Pop e popular um retrato do mundo urbano. 

Tarsila

A mistura do popular com o erudito, lembra o curador, é linhagem artística que sempre foi forte no Brasil. A mescla pode ser vista na obras de Tarsila do Amaral (1886-1973), por exemplo. Também teve presença forte nas produções dos anos 1960, chegou à geração 1980 e marca presença na cena atual por meio de vários nomes importantes, como Nelson Leirner, Marcos Coelho Benjamim e Jarbas Lopes, entre outros.

Esses trabalhos com estética sofisticada vêm de artistas inseridos no circuito erudito, “que criam a partir das culturas brasileiras, sem os limites da visão restritiva que busca, a todo custo, a pasteurização teórica”, explica Lontra. Ele chama a atenção para o fato de esse caminho ainda se encontrar excluído da história oficial da arte brasileira, pois ela privilegia a forma pura. “E aceita, no máximo, um pouco de barroco”, completa.

O curador diz que o trânsito de artistas recentes entre princípios de vários movimentos estéticos, às vezes antagônicos, significa “o reconhecimento afetivo da história da arte”, despreocupado com teorias. “É bom vivermos em tempos em que, sem culpa, é possível se divertir tanto com um concerto de Mozart quanto no carnaval”, observa.

Lontra organizou a famosa mostra Como vai você, geração 80?, realizada no Rio de Janeiro, que revelou nomes importantes do cenário atual das artes plásticas. Produções recentes coordenadas por ele são as mostras dedicadas ao surrealismo brasileiro e aos escultores Amilcar de Castro e Franz Weissmann. A próxima curadoria, revela, será em projeto dedicado ao diálogo entre contemporâneos e modernos. 

POP E POPULAR
Obras de Deneir Martins, Edmilson Nunes, Felipe Barbosa, Jorge Fonseca, Marcone Moreira, Marcos Cardoso e Raimundo Rodriguez. Lemos de Sá Galeria de Arte. Avenida Canadá, 147, Jardim Canadá, Nova Lima, (31) 3261-3993. Abertura hoje, às 11h. De segunda a sexta-feira, das 10h às 18h; sábado, das 11h às 14h. Até 22 de novembro.

TRÊS PERGUNTAS PARA O CURADOR MARCUS LONTRA

Marcelo Sant%u2019Anna/EM/D.A Press - 27/7/07
(foto: Marcelo Sant%u2019Anna/EM/D.A Press - 27/7/07)

O que você chama de pop popular?
A arte contemporânea tem recuperado a visualidade popular em diálogo com movimentos internacionais. A ideia de Centro e periferia, numa noção contemporânea, foi para o espaço. Há circulação de informação mais democrática, melhor que o pedantismo modernista, que se empenhava em construir um mundo utópico sem considerar o mundo real. Hoje, os artistas partem do real, com suas qualidades e defeitos, para criar quetionamento sobre o mundo real. Pop popular é caminho forte, pois se identifica com o Brasil suburbano, que está casa vez mais presente, inclusive nos meios de comunicação.
 
Como você vê a história da arte brasileira? 
O Brasil contemporâneo tem necessidade de outras leituras a partir de novos olhares sobre obras e artistas. O país produz poucas teses e temos história que tende a se tornar meio folclórica. Aprende-se um olhar sobre a arte brasileira como se fosse “o” olhar. E as coisas não são assim. Fiz exposição com Daniela Name, que chamamos de Os modernismos. O Brasil é complexo. Como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco vão aceitar o discurso de que o país começou a se estruturar em 1922? É fácil esculhambar Portinari, mas ele tem obras geniais ao lado de outras questionáveis. O discurso sobre Tarsila do Amaral é sempre sobre ela ter sido aluna do pintor Fernand Leger e o ímpeto cubista da linguagem dela. Interessa-me muito mais a capacidade dela de criar a cor caipira que seu professor nunca imaginou.
 
Qual é o papel do curador? 
Curador é facilitador da relação entre artista e público, mostra a capacidade estética dos autores. E levanta temas que às vezes ficam esquecidos. Quando fiz a exposição sobre o surrealismo brasileiro, as pessoas acharam ótimo. E me perguntavam: por que ninguém fez? Foi o melhor retorno.

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