Arte para sentir

Lygia Clark ganha retrospectiva a partir de amanhã, em São Paulo, com trabalhos inéditos. Artista mineira influenciou a arte contemporânea brasileira e teve repercussão internacional

por Sérgio Rodrigo Reis 31/08/2012 09:53

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associação cultural amigos de lygia clark
Lygia Clark em seu ateliê no Rio de Janeiro: arte em todas as dimensões (foto: associação cultural amigos de lygia clark)
Durante a pesquisa da exposição Lygia Clark: uma retrospectiva, os curadores Felipe Scovino e Paulo Sergio Duarte puderam, com autorização da família, conhecer os diários da artista, até então só manuseados pelos mais íntimos. Entre as anotações sobre o processo criativo, encontraram informações sobre as obras realizadas, reflexões sobre a criação e uma surpresa: três projetos ainda inéditos com as respectivas descrições de montagem de Filme sensorial, O homem no centro dos acontecimentos e Cinto diálogo. A partir de amanhã, quando será aberta a mostra no Itaú Cultural, em São Paulo, o público poderá conhecer de perto não só os três trabalhos inéditos, como também um conjunto de outras 150 peças. 

Entre pinturas, esculturas modernas e experiências sensoriais, a exposição representa rara oportunidade de conhecer de perto a produção da artista mineira (1920-1988), como A casa é o corpo. Trata-se de uma instalação de oito metros, que permitirá a passagem das pessoas pelo seu interior, para que tenham a sensação de penetração, ovulação, germinação e do primeiro contato com o mundo. Ainda no primeiro andar estarão trabalhos realizados entre o fim dos anos de 1940 e meados de 1950. São esculturas, com destaque para os Bichos; pinturas, como Escada – uma de suas primeiras criações –, e telas da série Composição.

Outra instalação, Campo de Minas, exibida apenas em uma ocasião, no Rio de Janeiro, aguardará o visitante no térreo. O público vestirá sapatos magnetizados e poderá tentar ultrapassar um tablado de 4mx4m com algumas partes imantadas. A mesma lógica a levou a criar a inédita Cinto diálogo. Cada pessoa receberá um cinturão com ímãs e poderá entrar com seu par em um jogo de atração e repulsão. Em volta dessas obras, uma linha do tempo indicará não somente elementos da vida e obra de Lygia, como a situará no contexto histórico e político nacional e internacional. Em seguida, descendo para o outro piso, o foco será o diálogo da artista com a arquitetura, por meio de esculturas como Trepantes, realizadas em 1963, ou das estruturas de Caixas de fósforos, de 1964.

A retrospectiva terminará com apresentação dos objetos sensoriais, série de trabalhos para serem sentidos pelo espectador, como as Máscaras sensoriais. É nesse segmento que estão outras duas criações ainda inéditas, ambas produzidas especialmente para a ocasião. O Homem no centro dos acontecimentos é uma instalação formada a partir de projeções simultâneas nos quatro lados de uma pequena sala de imagens, captadas por quatro câmeras instaladas no capacete de uma pessoa andando nas ruas. Já Filme sensorial, a outra criação inédita, proporcionará ao visitante que entre em um quadrado para viver um dia na vida de um cidadão comum, por meio de sons como o cantar do galo, o barulho da água do banho e sons da rua e do trânsito.

Vários são os motivos que tornam imperdível a oportunidade atual. “Abrimos com um estudo, de 1948, e terminamos com as últimas experiências, quando Lygia realiza obras em interface com terapia e arte. É uma artista especial, não apenas por ter transformado radicalmente a escultura brasileira, como também a mundial. Os historiadores de arte internacionais, se olhassem mais de perto para a produção de países como o Brasil, conseguiriam ver isso. Lygia começa no bidimensional, depois passa para trabalhos dependurados em paredes caindo ao chão que, mais adiante, se transformam nos bichos, a série mais conhecida”, explica o curador Felipe Scovino. Para escolher o conjunto que está sendo apresentado, ele teve acesso a acervos de BH, Rio e São Paulo. 

A exposição, após sua realização em São Paulo, não deverá viajar pelo país. A próxima grande mostra, só em 2014, quando outra retrospectiva será montada, desta vez nos Estados Unidos, no MoMA, em Nova York. 
 
Conexão minas 
 
As lembranças mais fortes de Alexandra Clark sobre a avó são dos dias passados no apartamento-ateliê, em Copacabana. “Era sempre ótimo. Vivia cercada de verde e esculturas e, para nos sossegar, nos vestia com os objetos relacionais.” Aos 12 anos, quando a avó morreu, pouco a pouco outras características vieram à tona, como a força da produção estética. “Minha avó construiu uma obra como construiu a vida: seguiu sempre em frente, sem olhar para trás.”
 
Quando, já no Rio de Janeiro, resolveu se dedicar à arte, a criação conservadora mineira representou um peso para Lygia. “Conseguiu se libertar dos paradigmas quando sua arte aflorou”, afirma a neta, sem entrar em mais detalhes. Outro assunto polêmico é a dificuldade em ter acesso a seu legado. Segundo Alexandra, a família, desde que criou uma associação para cuidar do legado da artista, tem lutado para mostrar o acervo da maneira correta. “Sua criação é para ser vivenciada, não para ser exibida de maneira documental, como as pessoas insistem.” Mas isso não significa que esse aspecto ficará inacessível. Pelo contrário.
 
Está sendo organizado pela UFMG, via Fundep, todo o acervo documental de Lygia Clark, de cerca de 16 mil documentos. Se tudo correr como planejado, em um ano estará disponível num portal para pesquisadores. São fotos de época, imagens de exposições, documentos pessoais, textos críticos e diários. Só não serão liberados os projetos de obras. “Porque são muito fáceis de ser reproduzidas”, explica a neta. O processo de catalogação existe desde 1996, quando o acervo que ficava no antigo ateliê, depois de um período no Museu de Arte Moderna do Rio, voltou para a família. Outra novidade que deverá popularizar entre os mineiros a obra de Lygia é o prometido pavilhão em Inhotim. “Há sondagens, mas nada concreto. Para nós é muito triste chegar lá e não ver nada dela”, diz Alexandra Clark. 
 
Em busca de experiências 
 
A pintora e escultora Lygia Clark nasceu em Belo Horizonte, em 1920. Aos 18 anos, mudou-se com o marido para o Rio de Janeiro, onde iniciou aprendizado artístico com Burle Marx (1909-1994). Entre 1950 e 1952, viveu em Paris. De volta ao Brasil, integrou o Grupo Frente, liderado por Ivan Serpa (1923-1973). Foi uma das fundadoras do Grupo Neoconcreto, inclusive participando da primeira exposição, em 1959. Pouco a pouco trocou a pintura pela experiência com objetos tridimensionais, que foram, cada vez mais, envolvendo a participação do espectador, como a série Bichos, de 1960, construções metálicas geométricas que se articulam por meio de dobradiças. 
 
A exploração sensorial aparece em seu trabalho em instalações como A casa é o corpo, de 1968. Voltou a morar em Paris, entre 1970 e 1976, período em que lecionou na Faculté d’Arts Plastiques St. Charles, na Sorbonne. Nesse período, sua atividade se afasta da produção de objetos estéticos e volta-se sobretudo para experiências corporais, em que materiais estabelecem relação entre os participantes. Retornou ao Brasil em 1976 e dedicou-se ao estudo das possibilidades terapêuticas da arte sensorial e dos objetos relacionais. A partir dos anos 1980, a obra ganha reconhecimento internacional. A artista morreu em 1988, no Rio de Janeiro.  
 
Lygia Clark: uma retrospectiva
Abertura amanhã, às 16h, no Itaú Cultural (Avenida Paulista, 149, Bela Vista, São Paulo). Poderá ser visitada até 11 de novembro, de terça a sexta, das 9h às 20h; sábados, domingo e feriados, das 11h às 20h. Entrada franca. Informações: (11) 2168-1776/1777 ewww.itaucultural.org.br 


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