Livro desvenda como são escolhidos os bispos da Igreja Católica

Jornalista J. D. Vital lança Como se faz um bispo com saborosas histórias sobre bastidores da instituição religiosa

por Carlos Herculano Lopes 20/08/2012 09:28

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Euler Júnior/EM/D.A Press
J. D. Vital conversou com religiosos do Brasil e de Roma sobre o processo de escolha de bispos católicos (foto: Euler Júnior/EM/D.A Press)
 
O processo de escolha de um bispo, figura da maior importância no intrincado jogo de xadrez da hierarquia da Igreja Católica, sempre mexeu com a cabeça do jornalista J. D. Vital. Ele acaba de lançar o livro Como se faz um bispo, segundo o alto e o baixo clero (Civilização Brasileira).

Ex-seminarista em Belo Horizonte, Vital também escreveu Quem calçará as sandálias do Pescador?, no qual analisa a sucessão do papa João Paulo II. A ideia de fazer livros sobre o tema surgiu há 10 anos, durante uma conversa com o padre Alberto Antoniazzi. Na ocasião, ele perguntou ao religioso sobre os critérios de escolha do candidato a usar o cobiçado anel de São Pedro. Grande autoridade no assunto, Antoniazzi respondeu que, no pontificado de João Paulo II, duas forças comandavam as nomeações: os salesianos e os facolaris, movimento de renovação da Igreja Católica fundado pela italiana Chiara Lubich.

A partir dessa primeira dica, Vital passou a pesquisar. Teve outro encontro revelador, desta vez com o padre João Batista Libânio, que lhe indicou vários textos e foi seu guia durante a preparação dos livros. “Conversar, entrevistar e papear. Foi o que fiz, principalmente atendendo à recomendação do teólogo Leonardo Boff. Ele me disse para esquecer o alto clero e conversar com o baixo, que conta as coisas. O alto clero só vai revelar o óbvio, enquanto o baixo fala da politicagem, das picuinhas, vaidades e interesses, como em qualquer outra instituição”, conta Vital. 

Com uma ressalva: o então núncio apostólico em Brasília, dom Lorenzo Baldisseri (atual secretário da Congregação para os Bispos, em Roma), deu-lhe ótima entrevista, embora tenha ficado preocupado com o que poderia ser escrito.

Em off, o autor teve outra conversa importante, em Roma, com um padre da Congregação para os Bispos. Ele lhe explicou como se dá o processo de seleção dos nomes enviados pela nunciatura católica. Funciona assim: no despacho das sextas-feiras com o papa, o cardeal prefeito da congregação leva a lista tríplice, chamada terna, com os nomes ordenados em primeiro, segundo e terceiro lugares. O papa tem total liberdade de indicação. “É como costuma ocorrer quando o governador recebe a lista com três nomes para escolher o novo desembargador”, compara Vital.

Um detalhe não escapou à observação atenta do jornalista. Se, para o alto clero, bispos, sucessores dos apóstolos, são escolhidos pelo dedo do Espírito Santo, o “pessoal de baixo” realmente vê as coisas de maneira diferente.

Vital ficou sabendo, por exemplo, que dom Helvécio Gomes de Oliveira, arcebispo de Mariana, fez-se bispo depois de mandar matar uma capivara no Rio Doce para o núncio, dom Angelo Scarpadini, que adorava saborear a carne desse animal. Um outro ganhou o posto por ter preparado bacalhoada no capricho, regada a boas doses de Campari, para o núncio apostólico dom Carmini Rocco, quando de sua viagem a Minas.

“Também não podemos nos esquecer de que o primeiro bispo foi escolhido por sorteio para preencher a vaga deixada por Judas no Colégio dos Apóstolos”, observa Vital.

J. D. Vital escreveu um livro precioso. Escolhas de bispos à parte, ele conta ótimas histórias, que vão se emendando umas nas outras, como no clássico As mil e uma noites. Algumas são inacreditáveis, como aquela ocorrida em 1º de junho de 1957: em Pernambuco, o bispo de Garanhuns, dom Francisco Expedito Lopes, foi assassinado a tiros pelo padre Hosaná de Siqueira da Silva, que estaria tendo um caso com a prima, contrariando ordens do superior. Depois de cumprir muitos anos de pena, o padre também foi assassinado.

Vital não se esqueceu da triste sina do primeiro bispo do Brasil, dom Pero Fernandes Sardinha, devorado em banquete antropofágico pelos índios caetés, em 1556, na costa de Alagoas. O navio no qual o religioso viajava, chamado Nossa Senhora da Ajuda, bateu num recife e naufragou.

O autor reconhece: pouca gente sabe como, realmente, alguém se torna bispo. Segundo ele, a resposta mais acertada para essa pergunta, ou pelo menos mais próxima da verdade, talvez tenha sido dada por Carlos Heitor Cony. “Esse é um dos maiores mistérios da Igreja”, disse-lhe o escritor, certa vez, durante um jantar na capital mineira. 
 
O mineiro e o papa 
Como se faz um bispo relembra a comovente trajetória de dom José Maria Pires, o dom Pelé. Menino negro de família humilde e nascido em Córregos, distrito da cidade mineira de Conceição do Mato Dentro, ele estudou no Seminário Menor de Diamantina, onde foi discriminado por sua cor.
 
Em 1957, o pároco de Curvelo se elegeu bispo. Cinco anos depois, em viagem a Roma, foi recebido pelo papa João XXIII. Naquelas alturas, já era bispo de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha. Quando chegou diante do papa estava tão nervoso que pisou no ferraiolo, capa usada em ocasiões especiais.
 
O próprio João XXIII o ajudou, enquanto perguntava sobre sua vida, sua família e sua diocese. Gostou tanto dele que, um mês depois, enviou cheque de US$ 20 mil para ajudar a recuperar o seminário de Araçuaí, destruído pela enchente.
 
Depois arcebispo emérito da Paraíba – lá, o apelidaram de dom Pelé –, José Maria Pires sempre esteve envolvido em causas sociais. Com mais de 90 anos, ele mora em BH. 
 
COMO SE FAZ UM BISPO
De J. D. Vital
Editora Civilização Brasileira, 364 páginas, 
R$ 42,90
Bate-papo com o autor e noite de autógrafos no Projeto Sempre um papo. Segunda-feira, 20 de agosto, às 19h30. Auditório da Cemig, Avenida Barbacena, 1.200, Santo Agostinho. Entrada franca. Informações: (31) 3261-1501. 


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