De volta ao passado: objeteiros alugam peças antigas para produções de época

Profissionais que colecionam de tudo criam novo mercado para filmes, cenários e festas de época, e agora planejam a criação de museus em Belo Horizonte

por Ana Clara Brant 16/08/2012 09:10

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Maria Tereza Correia/EM/D.A Press
Matriz Arte e Objeto é um território livre para a memória (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
 Pense em um objeto, seja ele qual for e de preferência antigo. Mala, geladeira, televisão, vitrola, óculos, brinquedo, berço, telefone, carro, garrafa, cadeira, bandeja jukebox, placas de sinalização, instrumentos musicais, caixa de correios, santos, luminárias, relógios, letreiros e lustres. A lista é extensa. Uma prática que é bastante comum no Rio e em São Paulo, começa a se intensificar em Belo Horizonte. Antiquários e empresas de colecionadores estão alugando esses objetos para filmes, novelas, peças de teatro, catálogos de moda e até para eventos particulares, como festas de aniversários.
 
“A novidade é a locação desses itens, que começa a chamar a atenção em BH. Quem quer criar um ambiente de época, seja para o que for, nos procura. Confesso que é um hobby meio sacrificante, porque são peças que exigem todo um cuidado. É um mercado novo, delicado, e sou meio exigente na hora de liberar os objetos. Mas é interessante compartilhar também”, revela Glendersom Barbosa, proprietário da B. Colletion, que reúne um antiquário no Prado e uma loja de decorações em Lourdes.

Um dos precursores do segmento na cidade é Antônio Carlos Figueiredo. E ele logo avisa: “Não sou marchand, nem colecionador. Sou um objeteiro”, frisa Antônio, que tem um acervo de aproximadamente 200 mil objetos que ocupam nove galpões pela cidade. Vira e mexe suas peças vão parar em alguma produção. Recentemente, cedeu dezenas de malas para uma exposição do estilista Ronaldo Fraga; ventiladores para a capa do disco de Marina Machado; e objetos de época para o filme O menino no espelho, que vai chegar aos cinemas em 2013. E tem mais: um dos galpões serviu de cenário do último clipe da cantora Sandy, assinado por Conrado Almada. “É muito difícil alguém me pedir alguma coisa e eu não ter. Tudo que você quiser encontra aqui. Ainda não tenho um realejo, que é muito difícil de encontrar no Brasil, e um carrinho de amolador de faca”, revela ele, que, além de alugar, costuma comercializar seus itens apenas para “quem mereça”. 

Entre as raridades estão uma geladeira Philco do início da década de 1950 – que ele garante que pertenceu a Juscelino Kubitschek –, uma balança de ovos, o primeiro celular que chegou a BH, ferro de passar a gás, chuveiro a álcool e um dos 50 aparelhos de TV que Assis Chateaubriand trouxe para o Brasil para a inauguração das transmissões. Entre as curiosidades mais inusitadas está um descalçador de botas em formato de siri, que ele só descobriu a função há pouco tempo. “Tem coisas que encontro e apelido de NSS (não se sabe), que são as peças sobre as quais ainda não sei o que são ou para que servem. Mas depois de um tempo pesquisado a gente acaba descobrindo”, destaca Antônio Carlos, que prepara a mostra Destino é o passado – Kitschismo, que vai entrar em cartaz em 17 de setembro, no Café com Letras. 

A peça que mais deu trabalho ao objeteiro foi uma bandeja utilizada pelos baleiros de cinema de BH. Antônio conta que, na década de 1960, houve uma greve dos baleiros e a retaliação por parte do concessionário das salas de cinemas foi destruir as bandejas. “Por isso elas se tornaram muito raras. Outro dia, estava caminhando na Floresta quando vi um baleiro com uma dessas bandejas. Fiz uma negociação e ofereci um faqueiro em troca. A gente já tem o olho treinado. Vira e mexe estou na rua e me deparo com alguma coisa dentro de uma caçamba ou no lixo. O pessoal tem mania de achar que tudo é obsoleto. Sempre encontro uma utilidade. Não descarto nada. Objeto tem que ter uma peculiaridade no desenho, na função e na história, além do charme”, ressalta ele, que pretende criar o Museu do Cotidiano para abrigar parte de seu acervo. “Para que vou ficar guardando tudo isso? As pessoas têm que conhecer a história”, resume.

Outro que tem a intenção de fazer um museu é o colecionador Jeferson Domingues, que transformou o hobby em ofício. O Museu do Objeto e do Veículo Antigo, (Mova), deve funcionar em Alphaville e no momento aguarda aprovação do Ministério da Cultura. Proprietário junto com a filha, Carolina Domingues, da empresa De Época, especializada no restauro e no aluguel de objetos e veículos antigos, ele lembra que é necessário preservar o passado, até para entender como a humanidade foi evoluindo. “Se hoje temos os carros modernos e os computadores ultratecnológicos, devemos aos objetos que os originaram e foram se aperfeiçoando. O futuro depende do passado, por isso é tão importante preservar”, opina.

Retrô em alta
Carolina diz que está impressionada com a quantidade de eventos, especialmente os infantis, que têm buscado peças mais antigas e acredita que o vintage está na moda. “A gente tem feito muitas festas dos anos 1960, festa com temas como carrinho, posto de gasolina e conto de fadas, que demandam relógios, espelhos e outros itens. Estamos atingido um público que nem esperava. Mesmo os objetos contemporâneos estão assumindo um ar retrô. É muito comum encontrar geladeiras, rádios e outros utensílios novos com estilo mais retrô”, pontua.

Em um dos galpões da empresa, localizado no Bairro Esplanada, na região Leste, é possível admirar, por exemplo, uma jardineira de 1929, que foi usada no filme O Grande mentecapto, e vários carros e lambretas utilizados na minissérie Hilda Furacão. “A gente garimpa, vai em bazares, topa-tudo, leilões. Há também quem está se desfazendo das peças e nos procura. E além de ir em busca do objeto, fazemos um trabalho de pesquisa para saber a origem do item, como ele era, para que servia exatamente”, revela Carolina.

O colecionador Glendersom Barbosa acrescenta que o custo do aluguel depende de muitos fatores, como a quantidade de objetos ou o tempo de locação, mas que geralmente é cobrado de 10% a 20% do valor da peça. “Também costumo vender, mas não é todo objeto que comercializo. No caso do aluguel, tem todo uma logística, porque tem que deixar um cheque caução, há um transporte especializado. Mas garanto que não é um dos melhores negócios para ganhar dinheiro. É porque gosto mesmo. A gente vai comprando, comprando, se depara com coisas exóticas e preciosidades e acaba viciando. Tenho um carinho muito grande com tudo, porque valorizo demais a história”, conclui.
 
Para saber mais
B. Collection: www.bcollection.com.br


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