Acervo do poeta Augusto dos Anjos deve ganhar museu em Leopoldina

Escritor paraibano está enterrado sob um tamarindeiro na cidade mineira

por Ana Clara Brant 01/08/2012 08:38

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Zá Andrade/Divulgação
(foto: Zá Andrade/Divulgação)
Pode parecer macabro, mas foi o cemitério que levou a equipe do Estado de Minas até Leopoldina, na Zona da Mata, a 320 quilômetros de Belo Horizonte. Nada mais apropriado em se tratando de uma reportagem sobre Augusto dos Anjos (1884-1914), que ficou conhecido como o poeta da morte ao cultuar em seus versos temas mórbidos e fúnebres como morcegos, coveiros, vermes e afins. A notícia sobre o corte do tamarindeiro que sombreava o túmulo do escritor que repousa na cidade mineira virou assunto entre os lepoldinenses e especulou-se acerca de uma eventual sabotagem. Até porque, Augusto dos Anjos motivou uma briga histórica e acirrada entre Minas e Paraíba, seu estado natal, para ver onde seria a morada eterna do poeta nascido no Engenho Pau d'Arco (PB). A “batalha” só findou quando os filhos Guilherme e Glória assinaram, em 1977, um documento contra a trasladação dos ossos do pai para o Nordeste.
 Inclusive, uma das razões que o governo paraibano alegava era que Augusto dos Anjos sempre demonstrou o desejo de ser enterrado sob a sombra dessa árvore, como revela o poema Debaixo do tamarindo: “Quando pararem todos os relógios/ De minha vida, e a voz dos necrológios/ Gritar nos noticiários que eu morri/ Voltando à pátria da homogeneidade/ Abraçada com a própria Eternidade/ A minha sombra há de ficar aqui!”. 
“O tamarindo está muito presente na vida e na obra do poeta. E é uma presença muito reiterada e de imensa força afetiva. Podemos dizer que Augusto dos Anjos – que sobre árvores já escrevera um dos mais belos sonetos da língua, “A árvore da serra” – fez do seu tamarindo a árvore mais famosa da poesia brasileira, imortalizou-a, transformou-a numa árvore de todos nós, coisa que só os grandes artistas conseguem fazer”, declara o escritor Alexei Bueno, autor da edição crítica da Obra completa de Augusto dos Anjos, e estudioso do assunto.
Plantado desde 2002 atrás do jazigo de Augusto dos Anjos, o tamarindeiro teve que ser cortado pela Prefeitura de Leopoldina depois de uma denúncia à polícia ambiental da cidade, de que seus galhos estavam caindo nas residências próximas ao cemitério. E para evitar danos maiores, a poda foi necessária. “No começo do ano, recebemos a informação de que a árvore estava muito seca. E ao longo do tempo, ela foi definhando. A polícia ambiental começou a receber reclamações de queda de galhos nas casas ao redor e constatou-se que a árvore estava morta. A solução foi cortá-la. Não acredito em conspiração, em nada disso. Árvores são seres vivos e podem morrer. Até porque, a maioria das pessoas daqui nem sabe do que está por trás desse tamarindeiro. É apenas mais uma árvore no cemitério. Não acredito que ninguém ia danificá-lo ou envenená-lo por maldade”, destaca Geraldo Filho, superintendente de Cultura de Leopoldina.
Aproveitando que 2012 marca o centenário do único livro publicado por Augusto, Eu, considerado uma das publicações mais importantes da poesia brasileira e um dos mais editados da história – já está em sua 54ª edição –, uma série de eventos está programada para lembrar a figura do poeta. Prova da importância do livro foi sua indicação para a lista de obras literárias indicadas para o próximo vestibular da UFMG.
A mais simbólica das homenagens deve ser o plantio de outra muda de tamarindo próxima ao túmulo do poeta em Leopoldina, aliás, “irmão” do que morreu. “A muda que plantamos há 10 anos no cemitério era proveniente do famoso tamarindeiro que se encontra no Engenho Pau d'Arco, na Paraíba, onde o Augusto dos Anjos nasceu. Na ocasião vieram duas e a outra está com o Alexei Bueno, plantado em um vaso na varanda da casa dele, no Rio, e o Alexei se prontificou a doar essa muda à cidade”, acrescenta Geraldo. 
Alexei Bueno diz que solicitou que a Prefeitura de Leopoldina consultasse um botânico, agrônomo ou outro especialista para saber se a árvore, depois de mais de 10 anos num vaso, cresceria normalmente. “Nesse caso, a levaria até lá e, obviamente, gostaria de ser um dos presentes a plantá-la, o que seria uma coisa emocionante para mim”, frisa o poeta e escritor.
CELEBRAÇÕES Além do plantio do tamarindeiro, a prefeitura do município promete outros eventos para intensificar e resgatar a memória de Augusto dos Anjos entre os leopoldinenses. No dia 27 de setembro, está prevista a reabertura do Espaço dos Anjos. A casa onde o poeta passou os últimos meses de vida, de junho a novembro de 1914, localizada na Rua Rua Barão de Cotegipe, 11, está fechada desde 2007, quando o artista plástico Luiz Raphael Domingues Rosa, que a alugou nos anos 1970, morreu. Rafael fez do imóvel o seu ateliê, mas preservou a memória do escritor e o transformou uma espécie de museu informal. 
“O Rafa sempre fez questão de que ali fosse um lugar para se lembrar e reviver Augusto dos Anjos. Reuniu documentos pessoais e da história da cidade. Quando ele morreu, o acervo foi parar no Ministério Público e agora é de propriedade da prefeitura. Infelizmente, muita coisa se perdeu”, lamenta Filomena Toledo França, produtora cultural e amiga de Luiz Rafael. A ideia da Secretaria de Cultura é que o acervo, basicamente documental, faça parte do museu. O Estado de Minas teve acesso ao material, que tem cópias da certidão de óbito do poeta e a de nascimento da esposa, Ester Fialho, além de reproduções de cartas, artigos de jornais e fotografias.
 
MONOTONIA E HOSPITALIDADE
 
Augusto dos Anjos foi para Leopoldina em junho de 1914, nomeado diretor do grupo escolar da cidade, indicado pelo deputado Ribeiro Junqueira. Na época, ele morava no Rio de Janeiro, mas como as condições não eram favoráveis na então capital da República, aceitou de bom grado o convite para viver na pacata cidade do interior mineiro. Em carta do poeta endereçada à mãe, dona Sinhá Mocinha, relata como era a vida na cidade: “As condições de vida nesse lugar são as melhores possíveis, segundo informações que me foram dadas a respeito.
 
O povo aqui é nimiamente hospitaleiro, havendo-nos prodigalizado ótimo acolhimento. A cidade é como todas as suas congêneres, de feio aspecto arquitetural, nada faltando, entretanto, relativamente às comodidades. As casas são assoalhadas, têm luz elétrica etc. etc.. Até aqui estou bastante satisfeito. Empossei-me anteontem no emprego com a solenidade relativa que lugares, como este, distanciados de pseudocivilização afetada, comportam.
 
Nesta cidade, que, posta em comparação com o Rio, é de um quietismo absoluto, tudo se mantém numa invariabilidade de verdadeiro ramerrão. Apesar da monotonia, tenho passado bem aqui, não somente sob o ponto de vista de saúde, como também sob o da chamada vida material”. 


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