Angel Vianna busca coragem na dança para enfrentar a vida

Aos 83 anos, dá aula na faculdade com seu nome, apresenta-se nos palcos e sai com alunos para conferir a agenda cultural carioca

por Ailton Magioli 16/04/2012 10:05

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Fotos: Arquivo pessoal
Mineira de BH, Angel Vianna pesquisa o corpo e suas conexões com as diversas formas de arte (foto: Fotos: Arquivo pessoal)
Aos 83 anos – que, oportuna e propositalmente, inverte para 38 –, Angel Vianna esbanja vitalidade. “Acho que eu já era”, diz a bailarina, coreógrafa e professora por telefone, do Rio de Janeiro, onde mora. Conseguir um horário na agenda da mestra é tarefa difícil. “A dança é o que me dá coragem”, confessa a mãe de Rainer (1958-1995) e viúva de Klauss Vianna (1928-1992), que também se destacaram nos palcos.

Diante da dupla perda registrada na década de 1990, ela não viu alternativa senão voltar a Belo Horizonte, sua terra natal, para recuperar as forças. “Fiquei um ano recolhida. Era muito triste para mim”, resume. Só havia duas alternativas: sucumbir de vez ou acreditar na vida. Ela ficou com a segunda. Encontrou “força tripla” para retomar as aulas que ainda ministra na Escola e Faculdade de Dança Angel Vianna, no Rio de Janeiro. 

O conhecimento profundo do corpo como instrumento de vida e trabalho fez dela e de Klauss nomes emblemáticos da dança contemporânea brasileira. Há dois anos, para surpresa de alguns, Angel estreou em BH o espetáculo ...qualquer coisa a gente muda, com o qual continua excursionando pelo país.

Ao lado da aluna e discípula Maria Alice Poppe, sob a direção de João Saldanha, Angel Vianna encena um experimento coreográfico motivado pelo sentido de supressão. “Assim como o violino, que precisa ser constantemente afinado, o corpo também deve estar em harmonia e conexão com a sua totalidade”, ensina.

Essa mulher nunca desiste de buscar novos conhecimentos. Estudando anatomia e cinesiologia, diz ter conseguido chegar ao conceito de liberdade para o movimento do corpo que leva para os palcos. O gestual jamais engana, adverte Angel. “O corpo fala. E fala de verdade”, diz, repetindo a máxima do pesquisador e psicólogo Pierre Weil. Daí a necessidade de conhecê-lo e afiná-lo, aproveitando a individualidade de cada um.

Na BH dos anos 1950, paralelamente aos estudos com os mestres Carlos Leite (dança), Alberto da Veiga Guignard e Franz Weissmann (escultura), a coreógrafa teve acesso ao trabalho de especialistas em retrato falado. Ficou fascinada pelas máscaras de criminosos. “Aprendi muito naquela época”, relembra, citando “a arte acadêmica, da musculatura, dos ossos”.

A certa altura, teve de optar entre a dança e a escultura. “Tudo o que fiz teve um aproveitamento muito grande”, observa. Mesmo criada “na Belo Horizonte fechada e dominada pelas montanhas”, como gosta de lembrar, acabou se tornando adepta convicta da arte interdisciplinar. 

Cria de um período culturalmente rico na capital mineira, Angel conviveu com Yara Tupynambá e Sara Ávila (artistas plásticas), além de Marilene Martins, Dulce Beltrão e Décio Otero (bailarinos e coreógrafos), entre outros. Com o marido, integrou o Teatro Experimental ao lado dos atores Jota D’Angelo, Carlos Kroeber e Jonas Bloch. “Foi uma época muito especial para a cidade”, diz, citando ainda o coral Madrigal Renascentista e a cantora lírica Maria Lúcia Godoy.

Da capital mineira o casal foi para o Rio de Janeiro, com direito a passagem pela Bahia. Em 1983, abriu a primeira escola profissionalizante de dança carioca. Quase duas décadas depois, foi a vez da faculdade batizada com o nome de Angel, que hoje oferece cursos de pós-graduação em BH, Recife e Juiz de Fora. Além de bailarinos, as escolas da família Vianna se especializaram em receber atores e artistas plásticos interessados em aprofundar o estudo do corpo.

Pouco antes de conversar com o repórter, Angel Vianna recebia em casa um ex-aluno que desenvolve trabalho com crianças na Holanda. “É muito lindo vê-los crescer e produzir fora do Brasil”, orgulha-se a mestra, para quem tudo é produto da força e da coragem individual. Ela avisa: mesmo único e especial, o ser humano vive em comunidade.

“Só faço o que acredito, por mais que possam pensar que seja doida. E olha que nunca me importei com o que pensam a meu respeito. É o que sempre digo a meus alunos: ‘Você é corajoso. Tem um corpo que pensa. Então, faça.”

Avó de Tainá Neves Vianna, de 23, filha de Rainer, Angel muda o tom de voz quando o assunto é família. “Ela já foi boa cantora e bailarina. Agora, estuda teatro em São Paulo e está prestes a concluir o curso na Escola Superior de Artes Célia Helena”. Essa artista, que se diz “uma velha saliente”, não para. “Sexta-feira, dei aula até as 22h30. Depois fui me divertir”, informa. Em tempo: a mestra costuma sair regularmente com seus atores e bailarinos – “os meninos” – para conferir a intensa agenda cultural carioca.
Bom humor
Tema de várias teses de mestrado, Angel Vianna não esconde a vontade de escrever um livro sobre sua trajetória. Curiosamente, o que a atrai é a temática do humor na dança. “Isso desde a época do Carlos Leite, em Belo Horizonte. Mas tenho de parar e ficar quieta”, brinca ela. Há farta bibliografia sobre técnicas de dança, mas a mineira não revela detalhes sobre seu novo projeto. “Meu pensamento para um livro é diferente. Acredito que poderá ajudar”, conclui. 


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