Irritando o leitor, com Fernanda Young

O efeito urano e Carta para alguém bem perto revelam a superficialidade e artificialismo literário da romancista e apresentadora

por André Di Bernardi Batista Mendes 26/02/2011 15:19

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Eliana Rodrigues/Divulgação
(foto: Eliana Rodrigues/Divulgação)
Depois de O pau, publicado em 2009, a Editora Rocco está relançando, em novo projeto gráfico, a obra completa da atriz, roteirista, apresentadora de TV e romancista Fernanda Young. Os livros O efeito urano e Carta para alguém bem perto acabam de chegar às livrarias. Alternando trechos em primeira pessoa com a participação de um narrador desconhecido, O efeito urano mostra as desventuras eróticas de Cristiana, que, casada com Guido, apaixona-se por Helena. Carta para alguém bem perto conta a história de Ariana, que, insatisfeita e perdida, tentando “juntar os cacos de sua existência”, quer redescobrir a beleza e o sentido da existência em uma improvável viagem de carro pela Europa. O primeiro livro de Fernanda Young, Vergonha dos pés, de 1996, recebeu boas críticas. Nascia ali uma grande escritora? Pouco provável. Em O efeito urano, Fernanda força a barra ao buscar o “moderno”, a “vanguarda”, ao forjar complexidades em situações que nem de longe são novas. Às vezes, o cotidiano é apenas isto: cotidiano, e nada mais. O óbvio, quando é apenas óbvio, cansa, e torna-se temerosa a tentativa de transformar o que é apenas fútil em literatura. Veja mais fotos de Fernanda Young O título, a paixão desmedida, sem rumo, dos personagens, tudo é cheio de pompa, tudo é por demais enfeitado, beirando o excessivo, perto de uma sensatez estudada. Embora fale do amor e suas demandas, das suas peculiaridades, falta neste longo relato enfadonho o principal: delicadeza. A epígrafe da obra indica o caminho das pedras: “Todo fazendeiro que criou gado sabe que, frequentemente, as vacas montam em outras vacas”. Loquaz, verborrágica, Fernanda, ao invadir a intimidade de seus personagens, nada mais faz que amontoar um punhado de ideias. Ela busca, e alcança, o raso, alcança apenas a linearidade do pop. Existem poucas sombras em seu estilo, frágeis perplexidades e angústias questionáveis, apenas literárias, e nunca literais. Fernanda fala, sem pejo, de sexo. O texto de O efeito urano é, sim, ousado, lascivo, meio bruto, mas não sugere e não deixa nenhuma vontade de desejo. O livro – os seus sintomas – “sofre” de uma simetria irritante, “literária” ao extremo. Não há a mínima luta, inexiste o jogo, o lúdico necessário. Fernanda não se perde. Fernanda não busca a singularidade. Fernanda Young é plural. Sobram filosofias e clichês evidentes, uma profusão imensa de pérolas do pensamento ocidental: “Nenhum personagem é extático. No teatro do mundo, todos têm seus figurinos de papel crepom. Fantasias que se rasgam e se desfazem ao serem retiradas do corpo”; “Ora, o círculo do inútil estará sempre em meu pulso, lembrando-me de um cotidiano que exige e salva”. Sobre as mulheres, Fernanda guarda um carinho especial: “Afinal, somos as histéricas. Todas nós, não sabia? A histeria está na semântica do útero e vice-versa”; “Porque as mulheres exercitaram demais suas mentes, à espera de saber o quanto podiam e ainda não podiam dizer. Quando, de repente, disseram. Inexatas. Não tiveram os corpos preparados para tantas e tão rápidas mudanças. Descacetaram. (...) Como elas serão neste milênio? Úteros pensantes que recusam-se a tripulações compulsórias”. É quase cafona tanta sabedoria. O efeito urano não gera dúvidas, está tudo ali, exposto diante do despudor de um claro sujo, visceral. Fernanda Young despreza penumbras. É tudo ficção. Mas forjar densidades exige maestria, perícia e destreza. O livro é apenas divertido, como são divertidos os seus programas da TV. Fernanda Young engana até certo ponto, com um texto leve, que não deixa marcas, pegadas na areia. Sobra um discurso vazio. Falta emoção, o efeito solar das descobertas genuínas. O texto não causa constrangimento, é apenas constrangedor. Vale lembrar. Num dos trechos, totalmente descontextualizado da história, Fernanda ataca a revista Playboy: “E a playboy, convenhamos, é uma entidade que faz de putas funcionárias públicas. Elas aparecem lá uma vez, batem recorde, seis meses depois estão lá elas de novo. E, havendo imbecis para comprar as revistas, voltarão outras vezes. Putas que batem ponto. Mudando o cu de Bali para o sul da França. Inaugurando peitos. Arreganhando-se um pouco mais a cada vez. Mostrando um pouco mais ali dentro. Repartição federal das putas, é o que a Playboy é”. O curioso é que, anos depois, Fernanda tornou-se uma das coelhinhas da revista. Coisas, idiossincrasias da arte. MAIS PERTO Já em Cartas para alguém bem perto, Fernanda, de certa forma, consegue algum tipo de brilho ao montar um romance correto, fácil de ler. Mas nada extraordinário. Mais comedida do que em O efeito urano, a começar pelo título, mais poético, mais forte, Fernanda, mais uma vez, apresenta um texto fragmentado, não linear que, em alguns momentos, cativa de forma surpreendente o leitor. A receita pode virar filme de cinema: entre paisagens da Itália e da França, shoppings e supermercados, quartos de hotel, a autora mostra as desventuras de uma mulher contemporânea à procura de si mesma. Fernanda, mais serena, menos dona de si – Carta para alguém bem perto é o seu terceiro livro –, escreve com um, digamos, espírito mais pacífico, menos prepotente, e monta o seu enredo de forma concentrada. O resultado, entre idas e vindas, acaba sendo positivo. Contudo, mais uma vez sobram clichês dispensáveis nas quase 400 páginas do livro. As dúvidas, desengrenagens e deslizes da personagem Ariana caberiam, quando muito, em 200 páginas. Quase um diário, um caderno adolescente de confissões, O efeito urano e Cartas para alguém bem perto são apenas uma extensão, desnecessária, de suas outras obras, de seus programas de TV, de sua exuberante personalidade múltipla. Os livros têm a sua relevância natural para o mercado. A literatura de Fernanda Young cresce a cada dia, mas não em direção ao absurdo. CARTA PARA ALGUÉM BEM PERTO De Fernanda Young Editora Rocco, 384 páginas, R$ 46 O EFEITO URANO De Fernanda Young Editora Rocco, 176 páginas, R$ 24

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