Funarte lança coletânea de textos de Gilberto Freyre sobre arte

por Correio Braziliense 18/10/2010 15:23
Reprodução/ nordesteweb.com
(foto: Reprodução/ nordesteweb.com)
Gilberto Freyre constitui o caso clássico do autor muito mais comentado do que lido. E, por isso mesmo, a simples menção do seu nome costuma suscitar uma série de veredictos, com ares de juízo final: "É conservador", "é o autor da tese da democracia racial", "é um regionalista provinciano". Mas quem se der ao trabalho de entrar em contato com a sua obra constatará que Freyre transcende a todos esses rótulos. O leitor pode fazer esta experiência com a preciosa coletânea de textos sobre arte de Gilberto Freyre reunida no volume 5 da Coleção Pensamento Crítico, lançado pela Funarte. A maioria dos textos foi publicada originalmente no Diário de Pernambuco e na revista O Cruzeiro, durante as décadas de 1920 a 1980. Antes de tudo, Freyre se considerava um escritor, mas um escritor versado na sociologia, na antropologia e na filosofia: "Pois o que faz o escritor é a capacidade de revelação ou sugestão pela palavra escrita da vida do homem. (…) O verdadeiro escritor não é intruso em assunto algum. Todos os assuntos são seus - ou podem tornar-se seus — contanto que correspondam ao seu temperamento, à sua vocação, às suas preferências naturais avançadas pelo estudo". Com intuição de escritor e saber de cientista social, Gilberto Freyre discorre de maneira brilhante sobre a sociologia da arte, o regionalismo, as relações entre pintura e luz regional, a crítica como criação, as relações entre arte popular e erudita, as roupas no clima tropical, a arquitetura modernista de Brasília e as casas populares. Freyre recusa a arte como culto da beleza pura, a crítica como exercício bizantino para seitas de esnobes, a cultura desligada da história, a vanguarda desconectada da tradição, o cosmopolitismo apartado das singularidades regionais. A coletânea contribui para recolocar em pauta uma história do modernismo pouco conhecida no Brasil: o movimento regionalista liderado por Gilberto Freyre, a partir do Recife. Freyre criticava o modernismo dos paulistas da Semana de 1922, animado, em sua fase inicial, exclusivamente por ideais futuristas. "Procurei valorizar ao mesmo tempo os aparentes contrários: região, tradição e modernidade", escreve Freyre: "Foi desse movimento que partiu, no Brasil, a ideia de planejamento regional que corrigisse a tendência para o urbanismo simplesmente estético ou higiênico; e traçado sob a ilusão de serem as cidades independentes das regiões; ou as regiões, servas inermes das cidades". Por isso, Freyre critica o que chama de "vidro-mania" na construção de Brasília ou chama a atenção dos pintores para a luz regional: "Nossos pintores têm vivido alheios à paisagem, que os desorienta sem dúvida pela dessemelhança de cor e de luz da europeia em cujo contato sua técnica se oficializa languemente". Gilberto sempre foi um entusiasta da construção da capital modernista no sertão bravo, mas também um crítico agudo da ênfase na arquitetura escultural de Brasília em detrimento de aspectos sociais, culturais e ecológicos. Equivocadamente, ele profetizava que com a evolução da tecnologia os robôs fariam o serviço pesado, aumentando o tempo livre para o ócio dos brasilienses de carne e osso. Errou e acertou, nós continuamos ralando muito e com poucos espaços de lazer. Gilberto não poupa elogios e críticas a Oscar Niemeyer e a Lucio Costa: "Dois admiráveis mestres de arquitetura. Mas só da escultural. Só da cenográfica. Só da estética. Ignorantes de quanto fosse implicação social, cultural, humana, ecológica, na construção de uma cidade". E aqui é necessário fazer justiça a Lucio Costa, que contemplou vários aspectos reclamados por Freyre com o projeto das superquadras. Gilberto é um crítico animado por uma verve deliciosamente anárquica e libertária de artista: "Não há povo que se faça respeitar só pela sua técnica: seus artistas, seus pensadores, seus santos contam e muito. Muitíssimo, até". Gilberto Freyre Quinto volume da Coleção Pensamento Crítico. Organização de Clarissa Diniz e Gleyce Heitor. Editora Funarte, 274 páginas. Preço: R$ 21.

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