Programação variada marca os 10 anos da Companhia do Latão

O grupo teatral paulistano usa obra de Brecht para provocar reflexões sobre o Brasil e suas contradições

15/07/2009 11:42

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Lia Urbini/divulgação
A comédia do trabalho estreou em 2000, mas trata de temas atuais, como o desemprego e a crise do capitalismo (foto: Lia Urbini/divulgação)

A Companhia do Latão completa 10 anos, mas quem ganha o presente é BH. A programação de aniversário do grupo teatral paulista – em cartaz esta semana, no Galpão Cine Horto – terá espetáculo (A comédia do trabalho), oficina, palestra, experimento videocênico (Entre o céu e a Terra) e dois vídeos (Equívocos colecionados e As ruas da comédia), além do lançamento de três livros (Companhia do Latão7 peças, da Cosac Naify; Atuação crítica: entrevistas da Vintém e outras conversas e Introdução ao teatro dialético, da Expressão Popular).

Em turnê por sete capitais, a companhia se especializou em pesquisar e explorar o universo brechtiano na cena brasileira. Curiosamente, ela montou apenas dois textos de Bertolt Brecht. “Esse é um paradoxo da gente. Somos muito conhecidos como grupo brechtiano, mas só encenamos Santa Joana dos Matadouros, em 1998, uma das mais bonitas e experimentais peças do Brecht, e , em 2006, O círculo do giz caucasiano”, constata o diretor Sérgio de Carvalho. Em 1997, o trabalho inspirado na obra do dramaturgo alemão, Ensaio sobre o latão, acabou batizando o grupo. “Mesmo ali, já era um texto mais nosso que do Brecht”, pondera Carvalho.

Há cerca de dois anos avaliando e documentando a produção da companhia, os 15 integrantes do Latão, com a ajuda de colaboradores, montaram o pacote de atrações que compõem a turnê atual, viabilizada com o patrocínio de uma empresa pública. “São três livros, dois ligados à teoria, e um de peças; o videodocumentário; a produção musical”, lista o diretor.

Salvador, no início do ano, foi a primeira cidade a receber a trupe, que já passou por cinco capitais. De Belo Horizonte, ela segue para outras duas. Uma das maiores marcas da companhia é o trabalho teórico. “Somos um grupo reflexivo, político. Fazemos um trabalho de certo modo sofisticado, do ponto de vista estético”, conta, orgulhoso, Sérgio de Carvalho. São duas frentes de trabalho: “Uma dentro da produção experimental, estética e radical. A outra busca estabelecer parcerias fora do ambiente cultural. Se alguém esperasse da gente um teatro de formas fáceis e de baixa complexidade, não encontraria”, admite.

PARCEIROS Sérgio chama a atenção para a importância da parceria com agentes sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “A própria Comédia do trabalho estreou ao ar livre, em um assentamento no interior do Paraná. Trechos foram apresentados no Sindicato dos Petroleiros do Rio e na porta da General Motors, em São José dos Campos”, informa. Na festa de 10 anos, o mais importante é divulgar o material pedagógico do Latão, comemora Sérgio de Carvalho. Em função disso, a companhia resolveu atualizar A comédia do trabalho – a peça estreou em 2000, mas só agora está excursionando pelo país.

“Como as pessoas gostam muito dela, muito especial para a gente devido à pegada popular, resolvemos viajar com a peça, além de mostrar um pouco da nossa pesquisa interna, agora na forma do experimento Entre o céu e a terra. Trata-se de trabalho que usa vídeo com sonorização musical e textual feita ao vivo pelos atores”, conta Sérgio.

A trupe do Latão está feliz em reunir os três livros ligados ao grupo e poder lançá-los por uma editora consagrada (Cosac Naify) e pela Expressão Popular, ligada ao movimento social. Não por acaso, todas as vezes que a Cia. do Latão veio a Belo Horizonte os eventos eram ligados ao Galpão. “A gente tem a maior admiração pelo grupo, que colaborou muito para nossa ida à cidade”, diz Sérgio de Carvalho. Foi ele quem ministrou oficina para os mineiros na época da montagem de Um homem é um homem, peça de Bertolt Brecht e dirigida por Paulo José.

Martin Eikmeier/divulgação
Entre o céu e a terra: experimento videocênico, em cartaz no Galpão Cine Horto (foto: Martin Eikmeier/divulgação)

BANQUEIROS

Inédita na capital mineira, A comédia do trabalho terá apenas duas apresentações no fim de semana. Trata-se de criação coletiva a partir das pesquisas da companhia paulistana. “A peça nasceu de material jornalístico-documental reelaborado pelos atores nos ensaios, além de ter recebido tratamento literário dado por mim e pelo Márcio Marciano, que codirigiu o espetáculo”, conta Sérgio. Apesar de ser uma fábula irônica e farsesca sobre empresários gêmeos que vendem um banco em época de crise, com o apoio do governo, a peça tem como tema de fundo a organização e a desorganização política.

 “É aquela questão da existência da aglutinação da elite e de setores fortes da sociedade em momentos de crise, quando se renova a capacidade de desorganizar a contestação”, destaca Sérgio, salientando a reconhecida dificuldade de mobilização política, principalmente dos setores mais fracos da sociedade. Qualquer semelhança com o mundo atual, portanto, não é mera coincidência. “Não escolhemos esse trabalho à toa”, garante o diretor. A crise financeira globalizada repôs todas essas questões no imaginário mundial.

 “O desemprego era muito forte quando estreamos a peça, em 2000. Houve uma onda reprimida de manifestações, que nós documentamos”, recorda Sérgio, antecipando que o vídeo com o material da época que originou a peça será exibido em BH. Com repertório de 11 espetáculos, a Cia. do Latão segue as ideias de Bertolt Brecht. “A ideia de teatro dialético é o conceito central da poética dele. Trata-se de um teatro que pensa a sociedade do ponto de vista de suas contradições”, explica Sérgio de Carvalho. “Cada representação social pode ser ativadora se for capaz de revelar contradições do processo social”, acrescenta. A reflexão crítica sobre tais contradições influencia a forma de representar. “Não é só na matéria social. A representação faz parte do problema”, esclarece.

Sérgio lembra que a experiência deu ao grupo uma espécie de modelo para pensar os dias atuais e o próprio contexto da companhia. “De certo modo, o próprio método brechtiano exige que você atualize Brecht, pesando-o de acordo com as coordenadas históricas que você vive. Uma questão importante da obra dele tem a ver com a noção de ideologia. Com o fato de a sociedade atual continuar a produzir imagens dominantes sobre a realidade, que distorcem e naturalizam essa realidade, fazendo com que a gente não veja processo histórico. Brecht foi um opositor forte das ideologias e fez isso de modo muito pouco convencional”, conclui Sérgio de Carvalho.

EM BH

Quarta-feira
13h às 17h – Oficina: Introdução ao teatro dialético
21h – Apresentação do experimento videocênico Entre o céu e a terra

Quinta-feira
13h às 17h – Oficina: Introdução ao teatro dialético

Sexta-feira
13h às 17h – Oficina Introdução ao teatro dialético
21h – Apresentação do espetáculo A comédia do trabalho

Sábado
14h – Projeção dos vídeos Equívocos colecionados e As ruas da comédia, seguida de palestra do diretor Sérgio de Carvalho
18h – Lançamento do material pedagógico do Projeto Companhia do Latão – 10 anos
21h – Apresentação de A comédia do trabalho

Galpão Cine Horto, Rua Pitangui, 3.613, Horto. Ingressos para A comédia do trabalho custam R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Os demais eventos têm entrada franca. Informações: (31) 3481-5580.

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