Produções em realidade virtual ganham terreno em festivais de cinema

Apesar disso, o impacto da tecnologia que coloca o espectador dentro dos filmes no futuro da indústria e na arte ainda é incógnita até para profissionais

por Mariana Peixoto 02/07/2017 10:00
Emmanuel Lubezki/divulgação
No curta Carne y arena, de Alejandro González Iñárritu, o espectador acompanha 10 imigrantes em tentativa de travessia do deserto mexicano para os EUA (foto: Emmanuel Lubezki/divulgação)

Uma nova revolução ou apenas uma outra ferramenta para o audiovisual? A realidade virtual – mundo afora chamada de VR, sigla do inglês virtual reality – é ainda tão recente que a questão permanece indefinida até para os próprios realizadores.

Fato é que as produções – que para ser assistidas devidamente demandam o uso de óculos de VR, que dão ao espectador a sensação de estar “dentro” da narrativa – estão ganhando cada vez mais telas.

O próprio cinema já reconheceu isso. Festivais internacionais passaram a ter uma grade destinada às produções imersivas. Foi em maio, no Festival de Cannes, que o mexicano Alejandro González Iñárritu, vencedor de Oscars pelos filmes Birdman e O regresso, exibiu sua primeira incursão em VR.

O curta-metragem Carne y arena (Carne e areia) coloca o espectador, ao longo de sete minutos, ao lado de 10 imigrantes ilegais em sua tentativa de cruzar o deserto que divide o México dos EUA. Entre agosto e setembro, o Festival de Veneza vai promover sua primeira competição de filmes em realidade virtual.

“A tecnologia do VR pode ser utilizada por qualquer um. Diretores, coreógrafos, estilistas, gente do turismo, esporte, educação e saúde. É uma ferramenta que permite que o espectador tenha a sensação de estar no cenário do vídeo. Ou seja, ela permite a você ter uma experiência”, comenta o francês Michel Reilhac.

Produtor de cinema e realizador de filmes em VR, Reilhac, que esteve no mês passado no Brasil participando de uma mostra de realidade virtual do Festival Varilux de Cinema Francês, será o curador da competição em Veneza. Apresentou no Brasil o curta Viens! (Venha!). Durante 12 minutos, sete pessoas (quatro homens e três mulheres) nuas se encontram num espaço branco, fora do tempo e do espaço. Elas se tocam, se beijam, se enroscam. O espectador acompanha tudo com os óculos. Por vezes é necessário levantar a cabeça para ter a visão da relação do grupo; em outros momentos, o que acontece no curta está mais embaixo.

Reilhac define Viens! como um “poema tântrico”. “Não é um filme pornô, pois não foi feito para excitar sexualmente. Ele é quase uma coreografia, e a intenção é promover a ideia da energia sexual, abrir a cabeça das pessoas.” Ele comenta que o mercado do VR dedicado ao pornô é crescente. “Essas produções você encontra na internet. Só que o que exibem é o pornô básico. Um espectador masculino pode simular que está com uma mulher e vice-versa”, comenta.

CLIPES A música pop vem, aos poucos, se apropriando do VR. Em 2013, o cantor Beck se uniu ao diretor Chris Milk para o projeto Sound and vision, regravação do single de David Bowie dos anos 1970. A música ganhou uma versão imersiva, em que o espectador podia se sentir junto dos 160 músicos que participaram da nova gravação. O U2 lançou, dois anos atrás, um clipe em 360 da canção Song for someone. E em abril a cantora Björk colocou no ar o clipe de Notget, também em realidade virtual.

No Brasil, há experiências vindo a público. O carioca Fabiano Mixo lançou, em abril, o projeto em VR Cartas a Lumière – A chegada do trem à estação. No vídeo imersivo, que tem como cenário a Central do Brasil, o artista visual explora as multidões que cortam os grandes centros diariamente.

“O projeto não faria sentido em outra mídia”, diz Mixo, que descobriu o VR numa mostra no Festival de Berlim. Cartas a Lumière foi exibido no Oi Futuro, no Rio de Janeiro. Agora, o projeto está tentando uma distribuição. “No Brasil ainda é muito difícil distribuir um trabalho em VR fora do circuito de arte. Existe aqui, por um lado, uma certa resistência e um ceticismo da cena cinematográfica e, por outro, o completo desconhecimento da mídia”, avalia.

Com estreia prevista para 20 de julho, o longa-metragem D.P.A. – O filme, projeto para cinema inspirado na série infantojuvenil Detetives do prédio azul, do canal Gloob, conta com três vídeos promocionais realizados em VR. O francês radicado no Brasil Etienne Chambolle, da VR Sound Brasil, foi o responsável pelo som de Cartas a Lumière e pelos curtas promocionais de D.P.A.

“Em termos técnicos, de imagem e de som, o VR é outro universo. Não se pode mais pensar num projeto de VR como num de cinema. Na sequência de um filme normal, quando há tensão entre dois personagens, você pode demonstrar isto num plano fechado. No VR não, pois o espectador é quem vai escolher para onde vai olhar”, comenta Chambolle. O som tem boa parte da responsabilidade de uma narrativa em VR. “Pois o som na vida real é em 360, assim como no VR. Você ouve o que está na sua frente, ao lado, atrás.”

Fabiano Mixo afirma que o principal desafio do VR é a construção de uma linguagem. “Assim como o cinema, a realidade virtual também acaba por agregar muitas outras artes. Por isso, o potencial dessa mídia também é tão extraordinário. Na verdade, as novas tecnologias talvez sejam o próprio pulo do gato na construção dessa narrativa.”

Mas ele não deve tomar o lugar do cinema. “O VR não é uma cópia de cinema, como o 3D foi. O cinema, quando foi criado, era como uma cópia do teatro. Só que, ao longo do tempo, percebeu-se que ele tinha que contar a história de um jeito diferente. E o teatro continuou existindo. Com o VR é a mesma coisa. As formas artísticas é que estão se reinventando com essa ferramenta”, diz Chambolle.

Brasil usa a ferramenta em games e propaganda

 

Ainda que experiências autorais venham sendo produzidas no Brasil, o mercado do VR está mais voltado para o marketing e os games. “Se comparada com outros países, a produção é baixa no país. Aqui são os jogos que predominam. Mas já vemos um crescimento da parcela dedicada a empresas”, comenta Alexandre Calil, da consultoria VRXP.

Educação e arquitetura são duas áreas que têm uma demanda crescente em produtos de realidade virtual. “Nossa empresa cria, por exemplo, um projeto para um apartamento que ainda não foi construído. (Com os óculos) Uma pessoa consegue vivenciar aquele espaço, caminhar por ele, interagir com objetos. Ou seja, ela se sente dentro do apartamento, coisa que numa planta é muito difícil associar”, explica Calil.

A área de treinamento de grandes máquinas também gera produtos em VR. “Vários equipamentos médicos são caros e de difícil acessibilidade. Para manuseá-los, é necessário treinamento. Elaboramos algo como um manual, em que a pessoa aprende que botões apertar, quais os movimentos deve fazer no equipamento etc”, acrescenta Calil.

E quando se fala em VR, há dois tipos de produtos, explica o consultor. O mais comum, visto em filmes e documentários, é o chamado 360º, em que o espectador apenas assiste. O outro, chamado de realidade virtual interativa, é aquele em que ele consegue manusear um objeto. “No primeiro, você olha ao redor; no segundo, além de olhar, você também se movimenta.”

E ninguém precisa achar que por ser uma tecnologia nova o acesso ao VR é para poucos. De acordo com Calil, é possível encontrar no mercado os modelos mais básicos de óculos a partir de R$ 50.

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