'Uma família de dois' aborda papel do homem no mundo contemporâneo

Omar Sy interpreta o bon vivant obrigado a criar a filha sozinho no longa que faz rir e chorar

por Pedro Galvão 29/06/2017 08:25

Paris Filmes/divulgação
Gloria (Gloria Colston) e Samuel (Omar Sy): uma família feliz fora dos padrões tradicionais (foto: Paris Filmes/divulgação)

O drama das mães obrigadas a criar os filhos sem a presença do pai não tem nada de cômico. Só no Brasil, são 5,5 milhões de crianças sem o nome paterno no registro, de acordo com o último Censo Escolar, realizado em 2011 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). No entanto, a inversão dessa triste realidade é tema da comédia dramática francesa Uma família de dois, que estreia hoje em BH.


Primeiro ator negro a ganhar o César, mais importante prêmio do cinema francês, por sua atuação em Os intocáveis (2011), Omar Sy interpreta o bon vivant Samuel. A vida mansa à beira-mar na Riviera, onde concilia de maneira quase sempre desproporcional o trabalho de barqueiro com festas e belas mulheres, é interrompida quando Kristin (Clémence Poésy), aventura de uma noite do verão passado, aparece com a pequena e barulhenta “surpresa”, fruto daquele dia.


Alegando falta de condições psicológicas para cuidar da criança, a mãe entra no táxi e some, deixando o bebê no colo do fanfarrão que ainda se recupera da última noitada. Sem saber nem sequer trocar fralda, ele se manda rumo ao aeroporto, na tentativa de devolver o “problema”. Desesperado, acaba embarcando para Londres. Sem encontrar Kristin e sem dinheiro para retornar à França, Samuel acaba obrigado a permanecer na capital inglesa, desamparado e com um bebê nos braços.


A situação só não é pior porque um divertido produtor de TV, papel de Antoine Bertrand, encontra o rapaz na rua e vê nele talento para atuar como dublê em uma série muito popular. O francês passa a receber um bom salário, consegue se manter e criar a filha. E ela vai crescendo sob os surpreendentes cuidados do ex-vagabundo, que logo se torna um pai extraordinariamente apaixonado, proporcionando à garotinha a vida que toda criança gostaria de ter.


Embora comece com a pequena Gloria ainda bebê, a maior parte da trama se passa quando a menina tem 8 anos, interpretada pela francesa Gloria Colston, fluente em inglês. Em seu quarto equipado com escorregador e toda sorte de brinquedos, a garota dedica muito mais tempo à diversão do que às obrigações – com o respaldo do pai, que costumava levar a vida dessa mesma maneira no passado.
EM XEQUE A relação dos dois é marcada por vários momentos cômicos, muitas piadas sobre o estilo de vida dos ingleses e confusões linguísticas, além de situações em que a dupla põe em xeque o modelo convencional de convívio social e familiar.


Apesar do comportamento extrovertido, o que mais se destaca na relação dos dois é o amor. Ele cuida para que a filha não sinta falta da mãe ausente, criando para a menina a fantasia de que a Kristin é, na verdade, uma agente secreta. Porém, nem tudo são gargalhadas.


Remake do mexicano Não aceitamos devoluções (2013), a trama dirigida pelo francês Hugo Gélin, de 37 anos, é muito parecida com a do filme norte-americano O paizão (1999), que tem Adam Sandler no papel principal, mas alguns tons acima na escala de dramática. Na produção francesa, cenas de humor entre pai e filha são intercaladas com momentos delicados relativos a mazelas reais da sociedade, no que diz respeito à fragilidade das estruturas familiares tradicionais e da situação particular que Samuel é obrigado a enfrentar com sua inseparável cria, que ele tenta proteger dos desprazeres da vida.
Uma família de dois é mais um caso de filme capaz de fazer rir e chorar, apesar da trama já batida, mas tocante para quem a assiste.

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