Premiado no Festival de Brasília, 'A cidade onde envelheço' estreia nos cinemas

A partir da crise econômica que impulsionou a juventude portuguesa a emigrar, em 2008, Marília Rocha realizou um longa sobre duas mulheres que se mudam para Belo Horizonte

por Mariana Peixoto 09/02/2017 08:00
Bianca Aun/Divulgação
A cidade onde envelheço foi inteiramente filmado em BH, mas privilegia endereços distantes de seus cartões-postais (foto: Bianca Aun/Divulgação )

“Como se torna difícil explicar as coisas quando a liberdade instala em nós seu reino de incertezas.” Em agosto de 1945, vivendo há alguns meses no Rio de Janeiro, Paulo Mendes Campos, então com 23 anos, escreve ao amigo Otto Lara Resende, que ainda morava em Belo Horizonte.

Foi durante o processo de escrita do roteiro de A cidade onde envelheço que a realizadora Marília Rocha (dos documentários Aboio e A falta que me faz) conheceu o texto Carta a Otto ou Um coração em agosto. “Essa carta tem muito a ver com o filme, pois ele fala desta abertura para o mundo, mas também de saudade e de se jogar no desconhecido.”

A história de Francisca (Francisca Manuel) e Teresa (Elizabete Francisca), as duas protagonistas do primeiro longa de ficção da diretora, que estreia hoje nos cinemas, fala justamente disto. Só que, no caso, Belo Horizonte não é o lugar que deixaram, mas aquele em que escolheram viver.

O longa foi o grande vencedor do Festival de Brasília de 2016 – levou os prêmios de melhor filme, direção, atriz e ator coadjuvante. Amanhã, diretora e elenco participam de sessão comentada no Cine Belas Artes.


Francisca é uma jovem portuguesa que vive há um ano na capital mineira. Teresa é também de Portugal e chega à cidade para dividir apartamento com ela. O filme mostra não só a relação das duas jovens entre si e com os outros, mas principalmente sua relação com uma cidade que não é delas.

“Quando houve a crise em Portugal (em 2008) chegou um momento em que a juventude de lá foi embora. Conheci a Francisca Manuel e outras portuguesas que vieram para cá nessa época. Eram pessoas que estavam num meio muito próximo, só que tinham tido um deslocamento, eram estrangeiras”, conta Marília.

À diretora interessava mostrar como este grupo de pessoas interagia com a cidade. “E como nunca tinha filmado aqui, pude rever o meu próprio espaço.”

Para o projeto, Marília queria trabalhar com um elenco de não atores. “Se fosse um filme com ator, o trabalho seria diferente. As duas não são elas próprias, mas o roteiro é uma mistura grande da experiência delas com as das personagens.”

COPRODUÇÃO

Francisca Manuel veio junto com a elaboração do projeto. Já Elizabete Francisca foi escolhida por meio de casting realizado em Portugal (o filme é uma coprodução entre os dois países).

O artista plástico Paulo Nazareth faz um amigo próximo de Francisca (e foi ela própria quem o levou para o filme). O roqueiro cearense Jonnata Doll, que vive um amigo de Teresa (a personagem tem uma banda) foi levado por integrantes, também do Ceará, da equipe do filme. E Wederson Neguinho (um colega de trabalho de Francisca), que ganhou um troféu de coadjuvante em Brasília, havia participado do filme A vizinhança do Tigre, de Affonso Uchoa.

Mas é Belo Horizonte a grande personagem do filme. A cidade é apresentada longe dos cartões-postais – não há nenhuma tomada da Pampulha ou da Praça da Liberdade, por exemplo. Foi filmado somente em locações, com boa parte delas na região central.

O retrato é o de uma cidade como outra qualquer, como diz Marília. Mas para quem não é daqui. Para os habitantes de BH, nascidos aqui ou não, o filme é muito familiar. Estão na tela a rodoviária, o Mercado Novo, uma loja de discos na Avenida Amazonas. Há também restaurantes e bares, como a Cantina Piacenza (no Santo Agostinho), a Gruta (no Horto) e o Estabelecimento (na Serra).

Quando estão em espaços públicos, as personagens contracenam com pessoas que ali estavam na hora da filmagem. “O desejo era colocá-las no meio do movimento real da cidade. Não fechamos nenhuma rua, nem compusemos figuração. A equipe teve que lidar com o improviso do dia a dia. Ou seja, mesmo sendo ficção, o jeito de filmar foi documental”, conta a diretora

Mas boa parte da narrativa se passa num apartamento no edifício Vila Rica, no Centro (ao lado da Galeria do Ouvidor), emprestado por um casal de amigos de Marília. “O filme é muito caseiro, traz uma sensação de proximidade de quem mora aqui. E isso está em todas as camadas do projeto. Durante a filmagem, as duas Franciscas moraram no apartamento. A equipe ia embora para casa, e elas continuavam. Ou seja, o que tem ali (no filme) são vivências e sentimentos verdadeiros”, diz Marília.


VITRINE ACIONAL

A cidade onde envelheço é o primeiro filme a estrear em 2017 dentro do projeto Sessão Vitrine Petrobras. Iniciativa de distribuição, pretende lançar, a cada duas semanas, longas em um circuito de cinemas de 20 cidades – em BH, as exibições serão no Cine Belas Artes. Os ingressos terão o valor máximo de R$ 12 (meia, R$ 6). Quinze longas integram o projeto. De Minas, além do filme de Marília, também será lançado pelo programa Elon não acredita na morte, de Ricardo Alves Jr. A data ainda não foi definida.

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