Documentário resgata o período em que os Beatles foram descobertos pelos EUA

'The Beatles: Eight days a week - the touring years' mostra as grandes apresentações do quarteto de Liverpool ao público americano

Fotos: Flix Media/divulgação
Fotografia de David McEnery de 1965, é um dos muitos documentos de arquivo exibidos no filme, que terá apenas duas exibições hoje, em Belo Horizonte (foto: Fotos: Flix Media/divulgação)

Quando John Lennon pedia por ajuda, nos versos de Help!, ele falava sério. A beatlemania havia cobrado seu preço. E, por mais que fosse eletrizante ser integrante da maior banda do mundo – e maior do que Jesus, como Lennon chegou a dizer depois em um mal-entendido que lhe custou prestígio nos Estados Unidos –, não existia paz para seus quatro integrantes. Lennon, Paul McCartney, Ringo Starr e George Harrison eram os rostos mais conhecidos do mundo naquela conflituosa década de 1960 e, mesmo se quisessem, não poderiam mudar isso.

É o McCartney de hoje que nota a angústia de Lennon na música de 1965 em depoimento ao documentário de nome quilométrico The Beatles: Eight days a week – the touring years. O amigo pedia socorro e não escondia mais o que lhe incomodava: os Beatles se tornaram grandes demais.

Para conferir os “anos de turnê” que o documentário de Ron Howard retrata, é bom correr. O filme está sendo exibido em 42 salas de 14 estados brasileiros. Em Belo Horizonte, hoje terá as duas últimas sessões: no Belas Artes 3, às 19h, e no Pátio 8, às 21h.

E, afinal, por que correr atrás desse filme se o fã dos Beatles já sabe de boa parte dessa história? Em primeiro lugar, a produção comandada por Howard, um sujeito adaptado ao cinemão de Hollywood, duas vezes vencedor do Oscar com o filme Uma mente brilhante, é reverente sem exagero e, principalmente, tem tino para o recorte de entrevistas e sabe como narrar uma história. É, portanto, uma trama com começo, meio e quase fim.

Histeria Explico: Eight days a week, nome com o qual será chamado doravante, é uma experiência dentro dos anos de turnê dos Beatles. Aos que não são familiarizados com a história do quarteto de Liverpool, na Inglaterra, depois de 1966, com um show realizado em São Francisco, na Califórnia, Estados Unidos, os Beatles se aposentaram das apresentações ao vivo para ingressar na fase na qual, em estúdio, criaram sua maiores obras-primas, a começar por Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, despejado como um banho de LSD na cabeça das sociedades norte-americanas e britânicas no ano seguinte.

Howard vai, em seu filme, atrás da loucura. E o faz com depoimentos de Starr e McCartney, os dois Beatles vivos, e registros de imagens de Lennon e, principalmente, Harrison.

De 1962 até o período em que os Beatles, maiores do que jamais poderiam imaginar, decidem deixar a insanidade das turnês, fãs histéricos e pouquíssima privacidade. Por essa razão, o embrião dos Beatles é repassado de forma rápida. Em pouco tempo, o quarteto já está completo, pronto para o estouro. São os fãs dos Estados Unidos os protagonistas reais da história. É com eles, a favor ou contra, que os Beatles se expandem e se contraem. Ao serem abraçados pelo público da América, Lennon, McCartney, Harrison e Starr foram alçados ao status de divindades.

As imagens do primeiro desembarque da banda em território norte-americano, em 1964, e a apresentação deles no tradicional The Ed Sullivan show, na TV local, estabelecem os Beatles não mais como a sensação que poderia desabar, como a imprensa britânica insistia em fazer parecer. A performance na televisão foi vista por mais de 73 milhões de pessoas nos EUA. Os Beatles eram, enfim, uma mania.

A jornada criada pela colagem de Howard não bagunça a cronologia e é bastante didática. Daí outro grande feito do diretor, quando sua temática é tão conhecida quanto os Beatles: é possível não ser professoral demais. A partir do retrato da vida do grupo na estrada, todo o resto surge como pequenas pinceladas, tal qual o início do uso de drogas e as brigas internas entre os integrantes da trupe.

Em 1962, quando o documentário tem início, John Lennon era um rapazote de 22 anos, mesma idade de Starr. Paul tinha 22 e Harrison, o caçula, 19. Em dado momento, os quatro começam a questionar o sonho da fama. Aquilo que os quatro garotos tanto queriam, o sucesso e o estrelato, roubou a juventude deles. Quando perceberam a maturidade chegando, passaram a constituir família, a loucura das turnês era o mesmo que, para um jovem normal, as saídas e as bebedeiras demais do início da vida adulta. Com a maturidade, isso fica para trás. Com os Beatles, foram as turnês. Eles queriam voar mais alto – e o fizeram –, mas só nos estúdios. Tanto tempo depois, é preciso dizer: ainda bem.  

A conquista da América


Durante boa parte de Eight days a week, o espectador assiste, no auge da beatlemania, a histéricas manifestações de fãs. Numa cena, você vai achar que reconhece a garota que chora, e grita. Ops! É a futura estrela Sigourney Weaver. Em outra cena, os Beatles estão desembarcando nos EUA. Ainda são desconhecidos, mas em seguida, após a histórica apresentação no Ed Sullivan show, a América inteira vai saber quem são os rapazes de Liverpool. O repórter aproxima-se. Pergunta quem é quem. “Sou Eric.” Hi, Eric. O beatle escancara o sorriso. “Não existe Eric, sou John Lennon.”

Esse diálogo surreal seria impossível dali a algum tempo, porque o mundo todo ia saber quem era cada um deles. Dois já se foram – Lennon e George Harrison. Restaram Paul McCartney e Ringo Starr para contar histórias. E o diretor de Os reis do ié-ié-ié e Socorro!, Richard Lester. Contam histórias deliciosas, mas o filme tem muitas imagens de arquivo, muitas entrevistas feitas na época.

Realizador conceituado, às vezes grande autor – Rush e No coração do mar –, Ron Howard é um ficcionista que aqui se exercita no documentário. Os Beatles estavam presos a contratos tão miseráveis que tinham de gravar muito, e fazer muitos shows. The touring years, os anos na estrada, foram exaustivos, mas gloriosos. E Howard resume uma história das transformações nos EUA e no mundo nos anos 1960. (Estadão Conteúdo)

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