Para realizar 'Terra e luz', diretor Renné França contou com colaboração de amigos e colegas

Foram dois anos para ver finalizado o roteiro escrito em dois dias

“Uma vez, viajando de ônibus, passei por uma casa velha, abandonada, cercada por mato alto, e me veio uma história à cabeça. Daí, tive vontade de vê-la realizada em um filme.” Foi com essa ideia que Renné França decidiu que era hora de deixar a teoria e partir para a prática.

Júlio César Mahr/divulgação
Cena de 'Terra e luz', rodado durante o dia e colorizado na pós-produção para criar o efeito noturno (foto: Júlio César Mahr/divulgação )
 

O professor do curso de cinema e audiovisual do Instituto Federal de Goiás (IFG) tem longa trajetória percorrida pelas teorias da sétima arte e explica que a semente da empreitada nasceu dessa epifania. “É engraçado que, até então, fazer um filme pra mim era uma coisa distante, do tipo ‘quem sou eu para fazer isso’. Mas, do momento em que tive a ideia, foi uma coisa meio que natural. Pensei: ‘quero dirigir e quero dirigir um longa’”, afirma. O resultado é o longa-metragem Terra e luz, que pode ser visto amanhã, à meia-noite, na 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes, durante a Sessão Bendita – reservada a produções de terror.

A pequena cidade de Goiás (GO) foi o cenário que ele escolheu para rodar o filme, em circunstâncias quase que inóspitas. Trata-se, afinal, de um longa-metragem de terror ambientado no meio do cerrado, em uma cidade com menos de 25 mil habitantes, zero sala de cinema, nenhum centavo de financiamento e nula experiência do diretor em sets de filmagem. O enredo deve agradar aos fãs de histórias de mortos-vivos: é ambientado num mundo pós-apocalíptico, em que os seres humanos foram praticamente dizimados por criaturas semelhantes a vampiros e tentam sobreviver na aridez do sertão.

Diante do desafio de realizar seu primeiro longa, Renné optou pelo gênero por considerar que esse tipo de narrativa facilita sua execução. “Normalmente, tenho muita dificuldade de criar histórias curtas. Eu não conseguiria escrever um conto, por exemplo. Teria que ser um livro. Então, tinha que ser um longa-metragem, pois seria necessário um certo tempo no enredo para os personagens entenderem quem eles eram. Para alguém que está começando como eu, o terror é um gênero mais confortável de fazer porque tem uma forma familiar, com regras já estabelecidas, como o barulho assustador, o escuro, entre outros elementos conhecidos”, conta.

A parte mais fácil da materialização do desejo do estreante foi o roteiro. “Escrevi em dois dias. Eu já tinha tudo muito bem fechado e botei no papel pensando já em não gastar nada, fazer o mais simples possível, sem efeitos especiais, por exemplo, para poder realizar dentro das condições que eu tinha.”

No entanto, para fazer cinema é necessário bem mais do que um roteiro. A determinação e o pragmatismo de Renné foram importantes para agregar uma equipe em torno do projeto. Boa parte, veio do curso de cinema do IFG.

Alguns, inclusive, trouxeram à Terra e luz o conhecimento prático que faltava a ele. “Convidei, a princípio, quatro professores que já tinham muita experiência em cinema. Entre eles, Carlos Cipriani, o diretor de fotografia do filme, e Cris Ventura, videoartista de BH que cuidou do figurino e da maquiagem. Logo depois vieram dois alunos também com experiência em set de filmagem. Aos poucos, as pessoas foram se interessando pelo filme e me procuravam. Por fim, a dificuldade foi dizer não aos pedidos que eu recebia, porque já tinha gente demais”, brinca o diretor. “De qualquer forma, muitos apareciam nas locações para acompanhar o processo. O curso de cinema do IFG, apesar de funcionar numa cidade pequena, é muito procurado e os estudantes se envolvem muito com o que ocorre na esfera da formação”, relata.

A filmagem levou cerca de dois meses e meio e contou com atores também sem bagagem anterior no ofício. “Tivemos ainda o desafio de dirigir uma criança de 8 anos”, descreve França. Os equipamentos foram emprestados pela Fundação de Arte e Cultura de Goiás, parceira do IFG. A trilha foi originalmente composta para o filme, com baixo, violão e cítara construindo o clima de suspense.

A edição e a pós-produção ficaram por conta da produtora belo-horizotina Ollada, comandada por ex-alunos do cineasta na UFMG, onde ele lecionou antes de se mudar para Goiás. “As noites são artificiais. Como gravar à noite dá mais trabalho, aproveitamos a luz natural”, conta Renné, explicando que a equipe da Ollada colorizou as imagens para “criar” a noite.

A jornalista Sílvia Amélia Araújo, casada com Renné França, também deu sua contribuição como produtora e uma das tarefas que desempenhou rendeu um bom caso. “Um dia, fui ao supermercado e perguntei para o moço do açougue: ‘Vamos supor que eu lhe matasse e arrancasse essa parte aqui do seu braço. O que você tem que pareceria com isso?’ Ficamos vários minutos conversando sobre o assunto, até que ele chegou à conclusão de que coxão mole era a melhor carne para o que eu precisava”, relata.

Depois de gastar dois anos para finalizar o projeto, o diretor principiante ficou satisfeito com o desfecho da aventura. “Não tenho distanciamento crítico o suficiente para dizer se eu gostei ou não. Mas, quando o assisti pela primeira vez, achei que era bem o que eu tinha pensado em fazer, considerando as condições em que tudo foi feito, é claro.” Apesar de admitir que foi desgastante, Renné pretende repetir a experiência, quem sabe da próxima vez com orçamento. “Gosto muito da carreira acadêmica, mas, depois do filme, não tem um só dia em que eu não queira voltar para o set. Já tenho ideias para outro longa. Mais de um, na verdade, de outros gêneros. Vou correr atrás de financiamentos, editais e incentivos para realizá-los”.

TERRA E LUZ
Amanhã, à 0h, na Sessão Bendita da 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes, no Sesc Cine-Lounge (Largo da Rodoviária, Tiradentes). Entrada franca.

MAIS SOBRE CINEMA