Tom Ford volta à direção no longa 'Animais noturnos'

Filme entrelaça a pompa do mercado de arte com histórias de vida fracassadas e a imposição de valores pela violência; longa estreia hoje

por Mariana Peixoto 29/12/2016 09:19
Universal Pictures/Divulgação
Amy Adams interpreta a bem-sucedida e frustrada Susan Morrow em 'Animais noturnos'. (foto: Universal Pictures/Divulgação )

Sete anos separam Direito de amar (2009) e Animais noturnos (2016), os dois filmes de Tom Ford. Se na moda ele não tem que provar mais nada a ninguém – o estilista é hoje dono de um império que leva seu nome, com faturamento anual na casa do US$ 1 bilhão – no cinema ele teve que mostrar que a atividade não era mero capricho.

Ele próprio faz a análise: ''Na primeira vez (Direito de amar, que deu uma indicação ao Oscar a Colin Firth, vivendo um professor gay que fica viúvo nos anos 1960) ninguém acreditou que eu pudesse fazer um filme. Então me autofinanciei e vendi o projeto. Já neste segundo, estou com 55 anos. Comando uma empresa muito grande, então não poderia fazer uma promessa se não pudesse cumpri-la. Posso até estar no início no cinema, mas tenho uma carreira há muitos anos”, afirmou à imprensa internacional.

Animais noturnos chega hoje aos cinemas brasileiros mais do que provando esta maturidade artística. Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza, concorre a três Globos de Ouro (diretor, roteiro e ator coadjuvante para Aaron Taylor-Johnson) e é uma das promessas do Oscar. Sua história, no fundo, é universal. Mas a maneira como foi filmada é a de um esteta. E as discussões que a narrativa traz calam fundo ao universo fashion.

Vamos lá: a trama nasceu do romance Tony & Susan, publicado pelo norte-americano Austin Wright em 1993 (no Brasil, o livro foi lançado pela Intrínseca). A história, tanto do livro quanto do filme, trata da vida de uma mulher que, 25 anos após abandonar seu primeiro marido, recebe em sua casa o manuscrito de um livro que ele escreveu. Na primeira página, uma dedicatória: ela deveria ler o livro porque sempre foi sua maior crítica. Quando começa a leitura, ela é arrastada para dentro da vida dos personagens e acaba encarando o rumo que a própria vida tomou.

GALERIA

Bem, a adaptação de Tom Ford ganhou outras nuances. A primeira cena já é uma carta de intenções do diretor. Mulheres muito, mas muito gordas, exibem sua nudez sem pudor. Têm como cobertura apenas faixas típicas das misses. Descobrimos, logo depois, que essas mulheres integram uma performance da galeria de Susan Morrow (Amy Adams, em mais um grande momento).

Ela tentou ser artista mas, sem talento, contentou-se com uma vida de galerista. Sua vida, a olho nu, é invejável. É rica, está no segundo marido, igualmente bonito e rico (Armie Hammer), com quem vive numa casa de cinema, onde tudo parece no lugar. Vista de perto, a vida de Susan é medíocre e vazia. O marido, em crise financeira, a trai. Nem ele, o traidor, nem ela, a traída, parecem se importar muito com isso. As obras que ela vende não trazem nenhum significado para ela. E é neste estado que a personagem recebe o tal livro do ex.

Edward Sheffield (Jake Gyllenhaal, mais um destaque do elenco), com quem Susan não mais se encontrou após a separação, pede a ela um aval sobre seu primeiro romance. Como a galerista é tragada para o universo do livro, três histórias são contadas em paralelo: a do presente de Susan, a do passado da personagem e a do livro de Edward.

Nesta subtrama, a família de um professor (também interpretado por Gyllenhaal) vive o horror no deserto do Texas. Com sua mulher (Isla Fisher) e a filha, o trio é perseguido por rednecks (brancos sulistas conservadores). Atenção para a atuação de Aaron Taylor-Johnson, quase irreconhecível. Uma tragédia desaba sobre a família. Susan, de leitora passiva, acaba envolvendo-se nesta história (não é difícil perceber que o drama do livro dialoga diretamente com o casamento frustrado de Edward e Susan).

Costurando como um mestre (o trocadilho é obrigatório) essas três histórias, Tom Ford (ele mesmo um texano) consegue, de uma tacada só, discutir redenção, vingança e traição. Esteticamente, Animais noturnos é feito com um esmero só, ainda que transite em terrenos bem distintos. Na vida de Susan em Los Angeles, tudo é reto, afetado, artificial. Na tragédia no Texas, o ambiente é sujo, violento, porém cheio de vida.

Ainda que a história seja absolutamente distinta, Animais noturnos dialoga com outro grande momento da produção estadunidense recente, Beleza americana (1999), de Sam Mendes. São ambos críticas aos (cínicos) valores ocidentais, com uma história rica em metáforas.

 

Abaixo, confira o trailer de Animais noturnos:

 

MAIS SOBRE CINEMA