Baseado no best-seller de Paula Hawkins, 'A garota no trem' não se limita ao suspense em torno de um assassinato

Filme remete à violência social que cerca o universo feminino

por Pedro Galvão 26/10/2016 20:03

Universal/divulgação
Emily Blunt interpreta a atormentada Rachel, às voltas com o alcoolismo e a rejeição social (foto: Universal/divulgação)
Admiradora ou obcecada? Testemunha ou suspeita? Esses questionamentos em torno da personagem Rachel Watson são a chave publicitária para promover a versão cinematográfica do best-seller A garota no trem, que chega hoje a 14 salas da Grande BH.

 

Escrito pela britânica Paula Hawkins e lançado em 2015, o livro liderou listas de mais vendidos valendo-se da velha fórmula do suspense em torno de um crime, mas trazendo questões bem atuais a respeito da violência física e psicológica infligida às mulheres.


O longa segue fielmente o livro. A história é contada pela própria Rachel Watson (Emily Blunt), afundada no sofrimento causado pelo divórcio e pelo alcoolismo. Morando de favor na casa de uma amiga, a personagem viaja diariamente de trem entre o subúrbio e Londres. Durante o percurso, observa a casa do ex-marido Tom (Justin Theroux), novamente casado, enquanto remói culpas, remorsos e dúvidas.

 

Confira os horários de exibição de A garota do trem nos cinemas da Região Metropolitana de BH

 

Nessas viagens, Rachel se depara com a residência da jovem Megan (Haley Bennet), que parece viver uma paixão ardente. A intimidade da moça está exposta e a observadora começa a imaginar coisas sobre ela. Watson projeta na desconhecida o seu ideal de relacionamento, que não conseguira construir com Tom devido ao abuso de álcool e à incapacidade de engravidar.

Entre flashbacks e declarações da personagem, a imagem de Rachel é construída como uma pessoa complicada e afundada em problemas. Nesse processo narrativo, há um terceiro elemento: Anna (Rebecca Fergunson), mulher de Tom e mãe do filho dele, que odeia a ex do marido.

O mistério começa no dia em que Rachel, em seu trajeto cotidiano, observa algo estranho na casa de Megan, babá da família de Tom. Dias depois, a jovem desaparece. O crime parece envolver todos os personagens, inclusive a própria voyeur, que se torna suspeita depois de uma noite de bebedeiras da qual pouco se lembra.

MEMÓRIAS

O mistério vai sendo desvendado a partir da reconstrução das memórias de Rachel e das revelações sobre Megan, que passa a assumir a função de narradora sob seu próprio ponto de vista, assim como no livro.

 

Embora no cinema a estrutura fique um pouco confusa com tantos flashbacks e alternâncias de narração, a história tem todos os elementos de um bom thriller. Prende a atenção, faz com que o espectador se envolva na solução do crime.

A garota do trem vendeu cerca de 10 milhões de livros. O longa estreou nos Estados Unidos há três semanas. Tamanho sucesso comercial talvez não se deva apenas ao suspense policial escrito por Paula Hawkins. Rachel Watson se encaixa em um estereótipo que remete a milhões de mulheres, condenadas pela sociedade por não se adequarem a padrões de construção familiar. Se não engravidam e não têm marido, veem-se rebaixadas à categoria de “inferiores”.

Fragilizada, Rachel desconfia da própria sanidade diante da incapacidade de cumprir padrões sociais. Paralelamente à solução do mistério, ela se redescobre como mulher, aprendendo consigo mesma a se fortalecer neste mundo complicado.

ABUSO

Megan, o centro da trama e vítima de feminicídio, enfrenta traumas decorrentes de relacionamentos abusivos e se sente culpada por sua vida sexual. Entre as duas está Anna, a mãe de família supostamente perfeita e segura, que começou a se envolver com Tom enquanto ele ainda era casado.

Além do mistério em torno de um assassinato, A garota do trem trata de violência psicológica. Mulheres sofrem agressões invisíveis, quase institucionalizadas, e às vezes capazes de consequências tão graves quanto a morte. Esse filme de suspense não se limita ao crime. Também instiga o público a repensar a história de horror que acontece todos os dias ao redor de todos nós.

 

 

MAIS SOBRE CINEMA