'Orgulho e preconceito e zumbis': terror com com mortos-vivos ainda rende

Filme estreia nesta quinta-feira. Zumbis podem ser metáfora para vários temores

21/02/2016 10:00

Quinho/Arte
(foto: Quinho/Arte)
 

A epidemia atingiu, quem diria, até Jane Austen. Não bastasse a horda de zumbis que tomou de assalto a reestreia de The walking dead no último domingo (foram 1,3 mil em cena, um recorde) e as criaturas frias de olhos azuis que se destacaram na temporada 2015 de Game of thrones, agora Elizabeth Bennet e Mr. Darcy vão se digladiar com mortos-vivos na Inglaterra do século 18.


O filme Orgulho e preconceito e zumbis estreia na quinta-feira. No longa, adaptado do best-seller homônimo de Seth Grahame-Smith, Elizabeth Bennet (Lily James) é mestre em artes marciais e o nobre Mr. Darcy (Sam Riley), um assassino voraz de zumbis. Algo infame, já pregaram muitos fãs do mais importante romance de Jane Austen.


“O que importa numa história de zumbi são os seres humanos, não o monstro”, afirma Carlos Primati, jornalista e crítico especializado em cinema de horror. Ou seja, com o drama dos personagens bem administrado, a narrativa pode funcionar.
Seja em que época for, o zumbi é figura recorrente no cinema. O morto-vivo, que tem origem nos rituais de vodu no Haiti, é octogenário. Nasceu para a tela grande em 1932, no filme Zumbi branco, que tinha a ilha caribenha como cenário (veja cronologia ao lado). Na primeira fase, era sempre comandado por algum gênio do mal.


O zumbi moderno, comedor de carne humana, principalmente cérebros, é posterior. É cria do cineasta George A. Romero, que, em 1968, lançou um clássico do gênero: A noite dos mortos-vivos. O longa, primeiro de uma trilogia, é visto como divisor de águas.


“Ele não tem a nobreza de um conde Drácula. É um monstro desprovido de individualidade e não tem nenhum aspecto invejável. A partir do momento em que se tira a personalidade do monstro, a própria morte do zumbi não acarreta nenhuma culpa”, acrescenta Primati. Tanto por isso, ele afirma que os zumbis acabam se tornando metáforas para diferentes questões. “Pode ser uma metáfora social, política. O zumbi remete a um medo contemporâneo, um medo que se conecta ao estresse, por exemplo. Se você só fica em casa vendo TV, está sendo um zumbi, pois seu cérebro está desativado, e sua vida, dedicada ao nada.”


Professor de cinema da UFMG, Luiz Nazario, autor do livro Da natureza dos monstros (1999), acredita que a atual febre da TV – The walking dead, lançada em 2010, gerou no ano passado uma nova série, Fear the walking dead, cuja segunda temporada estreia em abril – deva passar. “Tudo vem em onda. E há uma tendência em refazer o que já foi feito com novas tecnologias.” Monstro do coletivo – “ele vem do proletariado e é sempre uma massa”, lembra Nazario –, o zumbi também aparece em situações de crise.


“O zumbi é a decomposição ambulante. Ele representa o medo do ser humano, personifica nosso medo de morrer. Então, quanto mais crises ocorrem no mundo, mais força os zumbis ganham”, opina o cineasta Rodrigo Aragão, diretor dos dois mais importantes filmes brasileiros que têm zumbis como personagens: Mangue negro (2008) e Mar negro (2013). “Tento fazê-los mais orgânicos, com um toque de brasilidade, para fugir da maquiagem do padrão americano. São zumbis do mangue, aparecem com tambores de música brasileira e se transformam em seres marinhos”, conta ele.
Mesmo desprovido de glórias e personalidade, o zumbi continua rendendo. Além do cinema e da TV, é personagem constante dos videogames (de onde saiu a franquia cinematográfica Resident evil) e quadrinhos (não custa lembrar que The walking dead é cria do quadrinista Robert Kirkman).


Procurando um pouco mais, encontramos zumbis até mesmo na literatura de Érico Veríssimo. Em seu último romance, Incidente em Antares (1971), o escritor gaúcho conta a história de sete mortos que, sem poder ser enterrados por uma greve dos coveiros, ficam vagando pela cidade metendo-se na intimidade dos outros. “O zumbi remonta um medo muito primitivo, pois é o cadáver que não tem descanso. E não deve haver nada pior do que não descansar nem depois de morto”, finaliza Primati.

 

 

MUTILAÇÕES

A categoria de maquiagem só entrou para o Oscar em 1982, quando venceu Um lobisomem americano em Londres. A estatueta fez do maquiador Rick Baker estrela (já levou sete Oscars). Foi Baker também que criou os zumbis de Thriller (1983), de Michael Jackson. Também são essenciais para o gênero Tom Savini, que trabalhou em vários filmes de Romero, além da franquia Sexta-feira 13. Fotógrafo no Vietnã, teve contato direto com corpos mutilados e desfigurados. O outro é Greg Nicotero, hoje supervisor de maquiagem de The walking dead, onde atuou também como diretor (foi ele que assinou o episódio da série de domingo, com recorde dos monstros).

 

Zumbis no cinema

 

» 1932 – Zumbi branco, de Victor Halperin, é o primeiro filme a tratar do tema. Adaptação do romance A ilha da magia, de William B. Seabrook, conta a história de jovem transformada em zumbi por feiticeiro adepto do vodu, em papel de Bela Lugosi

»1943 – A morta-viva, de Jacques Tourneur, traz a história de uma mulher de fazendeiro do Haiti que sofre paralisia mental. Para curá-la, enfermeira recorre ao vodu

» 1957 – Zumbis de Mora Tau, de Edward L. Cahn, leva a questão para a era nuclear.
É o primeiro filme a apresentar
zumbis aquáticos

» 1966 – Epidemia de zumbis, de John Gilling, é o primeiro filme colorido do gênero.

» 1968 – A noite dos mortos-vivos, de George A. Romero, é o marco do gênero. Apresenta o chamado zumbi moderno – comedor de carne humana –, que, pela primeira vez, não é controlado por ninguém. Todos os filmes posteriores utilizaram o mesmo modelo de monstro. Houve duas continuações: Zombie: O despertar dos mortos (1978) e Dia dos mortos (1985)

» 1980 – Zumbi 2 – A volta dos mortos, de Lucio Fulci, é o mais importante filme da produção italiana dedicada aos zumbis

» 1985 – A volta dos mortos-vivos, de Dan O’Bannon, mistura comédia e terror, gêneros até então considerados incompatíveis

» 2002 – Resident evil: O hóspede maldito, de Paul W. S. Anderson, é o primeiro exemplar de uma bem-sucedida franquia nascida nos games. Com uma heroína, carrega nos elementos de ação

» 2013 – Guerra mundial Z, de Marc Forster, é o representante blockbuster: tem Brad Pitt encabeçando o elenco; custou US$ 190 milhões e fez US$ 540 milhões de bilheteria

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