Diretor Tom Hooper acerta o tom em 'A garota dinamarquesa'

Filme conta a história do inabalável romance do casal de pintores Einar e Gerda Wegener, no período em que ele se transforma em Lili Elbe

por Carolina Braga 11/02/2016 08:36

UNIVERSAL PICTURES/DIVULGAÇÃO
Eddie Redmayne e Alicia Vikander em cena de 'A garota dinamarquesa'. Ambos estão indicados ao Oscar (foto: UNIVERSAL PICTURES/DIVULGAÇÃO)
A história que se conta em A garota dinamarquesa de fato ocorreu no início do século 20. Mas vale ressaltar que a experiência pela qual o pintor Einar Wegener passou para se tornar Lili Elbe não foi exatamente da forma como o escritor David Ebershoff levou para as páginas do livro. O próprio autor esclarece logo no início que houve, por parte dele, uma boa dose de romance.

O roteiro adaptado por Lucinda Coxon para o filme dirigido por Tom Hooper toma para si outras licenças poéticas. Há cenas no longa que não estão descritas na literatura. E olha que descrição em detalhes é o que não falta à obra de Ebershoff. Em ambas as transposições, nota-se o encantamento que o caso desperta naqueles que se dedicam a recontá-lo. Visto ou lido hoje, tem força histórica.

A garota dinamarquesa é, em essência, uma bela história de amor, no sentido mais puro da palavra. Conta a vida do pintor Einar Wegener (Eddie Redmayne) e sua mulher Gerda Wegener (Alicia Vikander) até a transformação dele em Lili Elbe. Einar foi um dos primeiros casos de mudança de gênero de que se tem notícia, ocorrido na década de 1920.

Se não fosse pelo apoio de Gerda, o marido não teria conseguido se assumir mulher. Tom Hooper escolhe contar a transformação dele por meio da delicada relação de companheirismo entre os dois. Não à toa, toda a narrativa é construída a partir da intimidade deles, inclusive como marido e mulher. As cenas do casal estão entre as mais belas do longa, ornado com uma impecável direção de arte na reconstituição de época.

PINTURA


Einar e Gerda são pintores. Assim, Hooper fez dessa arte uma espécie de suporte abstrato por meio do qual os protagonistas conseguem extravasar os sentimentos. É como se cada um à sua maneira necessitasse daquilo para se entender melhor. Se foi em prol da pintura que ele se permitiu conhecer a Lili que habitava em seu corpo, Gerda usa o pincel para compreender tudo à sua volta.




Seja nas pinturas ou nas personagens do filme, o diretor abre espaço para as discussões em torno do corpo, do que é feminino e masculino, sem fazer discursos. A garota dinamarquesa fala sobre natureza. Assumir o que é natural para cada um pode envolver embates sociais e até desafiar a medicina. A garota dinamarquesa não exclui essa dimensão, inclusive a maneira canhestra como a orientação sexual já foi tratada pela ciência.

A transformação de Einar em Lili oferece ao ator Eddie Redmayne elementos suficientes para mais uma vez demonstrar sua versatilidade. A qualidade – reconhecida pela indicação consecutiva ao Oscar de melhor ator – está na sutileza dos gestos, no tom de voz, no olhar. Mas é um papel do qual se espera um resultado do tipo que ele apresenta. Por isso, Alicia Vikander surpreende mais.

Sua Gerda tem uma força que impressiona. É uma jovem mulher obrigada a lidar com os próprios conflitos em respeito ao desejo incontrolável do outro. É um papel de emoções contidas, que poderia resultar muito duro ou mesmo exageradamente dramático. Felizmente, não é assim. Aliás, durante boa parte do longa, o diretor Tom Hooper consegue fugir desse tom.

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