Filme 'Anomalisa' é um surpreendente mergulho na mediocridade humana

Com a animação para adultos o diretor Charlie Kaufman faz um filme superatraente sobre comportamentos autômatos que tornam a vida sem graça

por Mariana Peixoto 28/01/2016 08:38

Paramount / Divulgação
'Anomalisa' disputa o Oscar de melhor longa de animação com o favorito 'Divertida mente' e o brasileiro 'O menino e o mundo' (foto: Paramount / Divulgação)
Na edição 2016 do Oscar, os indicados ao prêmio de animação rompem com o padrão Disney – a exceção é o favorito Divertida mente, da Pixar, que pertence ao estúdio gigante global do entretenimento. Hoje, estreia no Brasil o mais inventivo candidato da categoria – que me desculpem Alê Abreu e seu O menino e o mundo, detentor de uma honrosa e merecida indicação.

Só poderia sair da cabeça de Charlie Kaufman (criador de Quero ser John Malkovich e Brilho eterno de uma mente sem lembranças) a história de Anomalisa. É uma animação exclusivamente para adultos, que faz com que a forma dialogue diretamente com o conteúdo. A crítica do roteirista – que divide aqui a direção com Duke Johnson – é ao padrão de relacionamentos impessoais e de atitudes um tanto ou quanto acéfalas que dominam o mundo contemporâneo.

Para tal, Kaufman tem como protagonista um autor best-seller de autoajuda especializado em telemarketing. Como cenário, um hotel executivo. Nada sai do padrão. Os personagens são como autômatos, acostumados a repetir, sem pensar, o que ouviram de outros. Ninguém questiona ninguém. E assim a vida segue em plena mediocridade.

 

 

 

MESMICE

Michael Stone (dublado por David Thewlis), marido, pai e autor de Como posso ajudá-lo a ajudá-los?, chega a Cincinnati para uma palestra. Incomodado com a mesmice da vida, e sem reconhecer o homem que foi um dia, tenta escapar como pode. Primeiro, procura uma ex-namorada (voz de Tom Noonan, que dublou todos os demais personagens, à exceção daquela que dá título ao filme); depois, conhece Lisa (voz de Jennifer Jason Leigh), uma representante de vendas que o surpreende. Juntos, vivem uma noite que pode (ou não) definir suas vidas.

Para a jornada um tanto surreal (afinal, é um filme de Charlie Kaufman), o roteirista, produtor e diretor utilizou, em sua estreia na animação, a técnica de stop motion. Seus personagens foram produzidos em massa de modelar e movimentados quadro a quadro.

Paramount / Divulgação
Longa usa a técnica do stop motion, em que cada um dos personagens construídos com massa de modelar têm seus movimentos filmados (foto: Paramount / Divulgação)
Os personagens são artesanais, longe da perfeição padronizada das criações computadorizadas. E vivem situações cotidianas que todo ser humano já viveu uma vez ao menos (quem nunca aguentou um taxista chato ou um passageiro de avião medroso?).

Kaufman chega a colocar Stone e Lisa na cama para uma noite de sexo – que está, diga-se de passagem, entre as mais críveis do cinema atual. As massinhas conseguem atingir o espectador com suas carências, imperfeições e dúvidas. Esse impacto, só o bom cinema, seja de live action ou animação, é capaz de ter.

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