Mostra de Tiradentes começa nesta sexta-feira refletindo questionamentos

Com o tema "Espaços em conflito", festival inaugura sua 19ª edição; exibe 35 longas, entre ficções e documentários, e faz sessão de Serras da desordem, em homenagem a Andrea Tonacci

por Luiz Fernando Motta 22/01/2016 09:51
UNIVERSO PRODUÇÃO/DIVULGAÇÃO
Cena de Futuro junho, da documentarista Maria Augusta Ramos, que parte da Copa do Mundo no Brasil para refletir sobre o modelo econômico atual (foto: UNIVERSO PRODUÇÃO/DIVULGAÇÃO)

“Estamos vivendo um momento que envolve grande enfrentamento da sociedade civil com o poder público. Rompimento da barragem em Mariana, ações equivocadas da polícia e todas as outras questões de crise se refletem no cinema”, diz a documentarista Maria Augusta Ramos (Justiça), que apresenta seu novo longa, Futuro junho, na Mostra de Tiradentes, que inicia hoje sua 19ª edição.

O documentário de Maria Augusta Ramos retrata o período antes da Copa do Mundo de 2014 sob o ponto de vista de quatro personagens, representantes de diferentes segmentos da economia: um atua no mercado financeiro, outro é motoboy, o terceiro é metalúrgico e o quarto é sindicalista. Ao acompanhar o cotidiano desses quatro paulistanos situados num momento histórico para o país, a cineasta provoca questionamentos ao atual modelo econômico.

A Mostra de Tiradentes exibirá (até o próximo dia 30) um total de 35 longas e 82 curtas dividido em nove seções: Homenagem, Autorias, Aurora, Transições, Cena Mineira, Praça, Bendita, Sessão Debate e Mostrinha. São três os espaços para sessões e debates: o Cine BNDES na Praça, no Largo das Fôrras (capacidade para 1 mil espectadores); o Cine-Tenda (600 lugares), e o Cine-Teatro (120 lugares), no Sesi Tiradentes/Centro Cultural Yves Alves. Todos os filmes serão exibidos em DCP, projeção digital de alta tecnologia.

O espírito crítico e reflexivo deve tomar conta da cidade histórica no Campo das Vertentes. Curador da mostra, Cléber Eduardo diz que a escolha da temática central, “Espaços em conflito”, foi proposta antes mesmo de as inscrições serem abertas, mas, surpreendentemente, muitos filmes tratavam do assunto de uma maneira bastante incisiva.

“Não foi um fator determinante para as escolhas. O tema era uma espécie de chamado para discutir de que forma os espaços determinam os conflitos vividos pelos personagens. Essa relação, muito contundente desde o Cinema Novo, estava menos enfática nos últimos anos. O que me chamou a atenção é que, nos filmes deste ano, isso está mais forte. Não tinha a menor ideia de que os trabalhos iriam para esse lado”, afirma o curador.

Assim como Futuro junho, o longa de ficção Campo Grande, da diretora carioca Sandra Kogut (Mutum), foi filmado em 2014. O título conta a história de duas crianças que são deixadas na portaria de um prédio em Ipanema, no Rio de Janeiro, apenas com um bilhete com o nome da moradora de um dos apartamentos. A busca pela mãe das crianças e a transformação repentina na vida das personagens dialoga com as modificações da cidade, que passava por obras para a Copa do Mundo.

“É um filme sobre mudança. Isso ocorre em todos os níveis, no espaço urbano, mas também no nível existencial”, comenta Sandra. A cineasta, que tem trabalhos como documentarista, como Um passaporte húngaro, explica que levou muito desse gênero para Campo Grande. “O jeito que trabalho é muito parecido com documentário. Estou sempre nessa fronteira onde os dois mundos se sobrepõem”, afirma.

LIMITE A fronteira entre o documentário e a ficção é o marco do diretor Andrea Tonacci em Serras da desordem (2006), a ser exibido hoje na abertura do festival, que tem em Tonacci seu homenageado. Pela primeira vez, a abertura da Mostra de Tiradentes não terá um filme inédito do homenageado. A ideia da organização é celebrar os 10 anos do longa, que conta a história de um indígena distante de sua tribo, que passa 10 anos procurando seu lugar, reivindicando seu espaço. “É um filme extremamente admirado pela nova geração. Teremos a chance de revê-lo na tela grande e de discuti-lo novamente”, diz Raquel Hallak, coordenadora geral da mostra.

Presente no festival com o inédito em circuito comercial Através da sombra, Walter Lima Jr. diz que “a pluralidade é uma das coisas mais interessantes do cinema brasileiro”. “Filme tem que ser filme. A importância que se dá às manifestações se dá pela qualidade delas, independentemente de qualquer temática.”

Através da sombra tem lançamento nos cinemas previsto para abril. É uma adaptação do romance A volta do parafuso, do escritor americano Henry James (1843-1916), e marca a estreia de Walter Lima no campo do suspense. Filmado em uma fazenda na parte fluminense da Região do Vale do Paraíba, o longa conta a história de uma professora, interpretada por Virginia Cavendish, que é chamada para cuidar de duas crianças órfãs que moram com o tio. Aos poucos, ela começa a perceber eventos estranhos e a se sentir ameaçada. “Fala de repressão, de mistério, de estranheza. Desses mistérios de dentro da gente”, adianta o diretor.
Matheus GP/Divulgação
A artista Sara Não Tem Nome em cena do longa Bili com limão verde na mão, de Rafael Conde, que integra a mostra. Ela também fará show de seu disco Ômega III no festival (foto: Matheus GP/Divulgação)

Assim na tela como no palco

Além das sessões de filmes, a Mostra de Tiradentes tem uma programação de shows, exposições, seminários, teatro e lançamento de livros. A cantora mineira Sara Não Tem Nome apostará nas projeções visuais do artista gráfico Pedro Veneroso para explorar o potencial cinematográfico das canções de seu elogiado disco Omega III.

Além de apresentar suas composições musicais, Sara se verá na telona em Bili com limão verde na mão, adaptação do diretor Rafael Conde para a obra do poeta Décio Pignatari. “O Rafael me seguia no Facebook e achava que essa minha personagem na internet tinha a ver com a personagem do livro. Já gostava do Décio Pignatari e, ao ler o livro, achei que seria uma experiência nova e divertida atuar e musicar uma parte do livro”, conta ela.

No ano passado, o filme Sonho de Sara, no qual ela divide a direção com Gabraz Sanna, foi exibido na Mostra de Tiradentes, mas essa será a primeira vez em que ela fará a “dobradinha” entre o palco e a tela. “Acho que vou me apresentar para pessoas que já conhecem meus trabalhos, outras que costumo ver em outros festivais e também para pessoas da cidade que escutarão minhas músicas e me verão atuando em um filme pela primeira vez. As pessoas que vão para o festival estão abertas para ver os filmes, ouvir as músicas. Espero que seja uma experiência que acrescente muitas coisas para mim e para o público”, afirma.

MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES

De hoje a 30/1, em Tiradentes, Campo das Vertentes, a 180 quilômetros de BH. Programação completa: www.mostratiradentes.com.br. Sessões gratuitas.

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