Cineasta transforma trama de curta premiado em longa filmado em BH

Ricardo Alves Jr. usa o curta 'Tremor' como base para o filme 'Elon não acredita na morte', cuja filmagem em Belo Horizonte o Estado de Minas acompanhou

por Carolina Braga 01/11/2015 07:00
CAROLINA BRAGA/EM/D.A.PRESS
Em cartaz com 'Que horas ela volta?', Lourenço Mutarelli (à esquerda) vive o ex-marido da mulher de Elon (foto: CAROLINA BRAGA/EM/D.A.PRESS)

Três, dois, um; tudo pronto no set. A hora é de silêncio. Mas a britadeira da construção vizinha insiste em marcar presença. E que presença! “Pediram mais três minutos e depois a gente tem meia hora”, avisa o produtor Thiago Macêdo Correia, em contato via rádio com a produtora Luna Gomide. Enquanto eles monitoram os operários, momento de concentração para os atores Rômulo Braga e Lourenço Mutarelli.


A experiência é nova. Para os pedreiros, não deixa de ser raridade a pausa na labuta para a gravação de um filme em Belo Horizonte. O diretor mineiro Ricardo Alves Jr. também vive uma “emoção” diferente. Está na terceira semana de gravação de 'Elon não acredita na morte', primeiro longa-metragem de sua carreira, que inclui três curtas.

Numa pequena cozinha – da casa antes habitada por seis irmãs de caridade, na Rua dos Otoni –, é hora de gravar o encontro do protagonista Elon (Braga) com Manoel (Mutarelli), ex-marido de sua mulher, e o filho do ex-casal (Francisco Loyola). Apesar do barulho exterior, o clima no set é de tranquilidade. Em voz baixa, o diretor passa as orientações. Ensaia. Repete. Grava. Repete. Grava. Nada parece pesado, por mais densa que seja a história. Ah, e sempre tem britadeira que insiste em voltar a trabalhar a cada quarto de hora.

A ideia de 'Elon não acredita na morte' surgiu quando Ricardo Alves Jr. terminou de filmar 'Tremor' (2012), curta vencedor de três prêmios (direção, fotografia e montagem) no Festival de Brasília de 2013. “Cara, acho que a gente pode desenvolver um projeto de longa”, lembra de ter dito ao produtor Thiago Macêdo Correia.

Assista aos bastidores de gravações de 'Elon não acredita na morte'



ROTEIRO Depois disso, o cineasta começou a rascunhar a ampliação da trama sobre o dia na vida de Elon, um homem à espera da mulher desaparecida. O roteiro foi tomando forma à medida que passou por laboratórios de festivais internacionais, como o do Bafici, de Buenos Aires, o FIDLab, de Marseille (França), o Rome IFF New Cinema Network e o Torino Film Lab Final Session Meetings, ambos na Itália. Foram dois anos nessa etapa de amadurecimento da história.

“O filme teve muitas caras. Em cada laboratório ou rodada de negócios foi ganhando um corpo a mais”, conta Alves Jr. Premiado com cerca de R$ 490 mil pelo programa Filme em Minas, o longa começou a ser rodado no dia 24 de setembro. Uma semana depois, o inesperado: o ator paulista escalado para viver o protagonista precisou se afastar para cuidar de um problema de saúde.

“É interessante lembrar que coisas que tinha pensado no início acabaram reverberando agora”, diz o cineasta. Rômulo Braga foi o primeiro ator a ler o papel do protagonista Elon na fase de teste, quando o roteiro participou do projeto Janela de Dramaturgia, voltado para textos teatrais. “Fiquei alucinado, mas estava em uma fase de experimentação”, conta o ator. Alves Jr. pensava em um ator mais velho para o papel. Mudou de opinião.

Formado pela Universidad del Cine, em Buenos Aires, Alves Jr. sempre se interessou em buscar caminhos singulares para seu cinema. Nos curtas 'Permanências' (2011) e 'Tremor' (2012) não trabalhou com cortes. Nem agora. Elon não acredita na morte tem 70 planos. As cenas são gravadas sem pausas, em uma única tomada.

É um modo de fazer cinema também aberto ao acaso. Além de Rômulo Braga e Lourenço Mutarelli, a gravação da última quarta-feira, que o Estado de Minas acompanhou, teve a participação do ator mirim Francisco Loyola, de 4 anos. Na primeira parte, o garoto só precisava passar correndo entre os adultos.

Num segundo momento, porém, era preciso mais: Francisco teria que brincar com Elon antes de ser “recolhido para o banho” pelo pai. O garoto não reagiu como planejado e esperneou, quando o roteiro previa que ele estivesse cordato. “Ricardo é muito vivo, então a gente vai mudando. Vamos criando coisas juntos o tempo inteiro. O roteiro serve como um guia para abrir as portas para o que a vida vai pulsando”, diz Braga.

Foi a abertura para incorporar o imprevisto que surpreendeu a atriz carioca Clara Choveaux, escalada para interpretar o papel de Madalena, a mulher de Elon. Quando chamada para fazer o teste para a personagem, recebeu uma proposta inusitada: “Nunca tinha feito assim. Gravei sozinha, em casa, e enviei um vídeo que eu mesma preparei. Não sabia nada do roteiro e foi muito especial para mim”, conta. Também estão no elenco as atrizes Grace Passô e Silvana Stein.


Os bastidores de 'Elon não acredita na morte' são descritos pelos intérpretes como um espaço de criação autoral, mas que, ao mesmo tempo, oferece liberdade para toda a equipe. “Ele (o cineasta) tem muita certeza do que quer e isso dá muita segurança para a gente”, afirma a atriz.

“É um filme que livra o ator de qualquer possibilidade de virtuose. Acho isso positivo, porque o personagem fica acima da atuação. A cena e a dramaturgia ficam acima de qualquer coisa. O mais importante é contar uma história através de cada cena”, avalia Rômulo Braga.

Para Ricardo Alves Jr., o primeiro longa de sua carreira não é um filme de suspense, de investigação ou mesmo um romance. “Mas está tudo misturado. Talvez seja até uma tendência do cinema brasileiro hoje. É um filme sobre um amor louco. De repente, uma parte desaparece. Como essa pessoa vive essa falta?”

''Acho que já posso tirar o DRT''

Mesmo com 13 filmes no currículo desde que fez 'O cheiro do ralo' (2006), Lourenço Mutarelli ainda não se qualifica como ator. “É porque não tenho DRT (registro de ator). Mas acho que agora eles já me dão”, diz, antes de cair na risada. O clima de descontração e tranquilidade domina o set de Elon não acredita na morte.


Mutarelli e Ricardo Alves Jr. não se conheciam quando o escritor recebeu a proposta para participar de mais um longa-metragem. O diretor foi a São Paulo para o convite, levou a tira-colo o curta Tremor (2012). Mutarelli nem precisou ler o roteiro para dizer que estava dentro. “Escolho muito o que trabalho. Não faço tudo que me chamam, mas tenho participado de projetos muito legais”, afirma.

A última empreitada do tipo – e talvez a de maior projeção – foi como o pai da família de Que horas ela volta?, da diretora Anna Muylaert. O longa é o aspirante do Brasil a uma indicação ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira.

Simplicidade é uma marca do ator, escritor e quadrinista. Há também uma certa timidez quando fala sobre atuação. Mutarelli acha que não tem técnica de ator. “Embora seja muito diferente, quando escrevo, entro em um ponto de concentração. Quando atuo, preciso viver aquilo, entender aquele personagem para reagir como ele reagiria”, conta.

Sempre regado a uma boa cachaça, o trabalho em Minas parece ter lhe agradado. Mutarelli é afetuoso com toda a equipe no dia em que se despede do set. Na minha geração, era muito difícil ver um filme bom no cinema nacional. De uns tempos para cá, está tão legal, não só de fazer parte, mas também de assistir como espectador. É um momento especial”, afirma.

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