No país há 25 anos, Mika Kaurismäki exibe dois longas na Mostra de São Paulo

Finlandês Mika Kaurismäki que veio ao Brasil em 1988 participar de um festival de cinema é hoje casado com uma baiana e pai de dois filhos brasileiros

01/11/2015 07:00
FOTOS: MOSTRA DE SP/DIVULGAÇÃO
Cena de 'A jovem rainha', superprodução de Mika Kaurismäki sobre a história da monarca sueca Cristina, que o diretor considera um ícone do feminismo (foto: FOTOS: MOSTRA DE SP/DIVULGAÇÃO)

São Paulo –
Em 1988, o finlandês Mika Kaurismäki chegou ao Rio de Janeiro para exibir, no encerramento do extinto FestRio, o filme Helsinki/Napoli: Toda noite, um policial rodado na Berlim oriental que se deu ao luxo de reunir, em participações especiais, os cineastas Samuel Fuller, Wim Wenders e Jim Jarmusch.

Como nunca havia pensado em vir ao Brasil, depois da semana carioca, Kaurismäki resolveu esticar. Voltou outras vezes, passou uma temporada entre o Nordeste e a Amazônia e até emplacou um projeto naquela região do país, o longa Amazon (1990). “Aquela semana acabou virando 25 anos, que completei de Brasil na última semana”, afirma o cineasta de 60 anos, morador do Rio de Janeiro, casado com uma baiana e pai de uma menina de 4 anos e um garoto de 7, ambos brasileiros.

A Finlândia é o país nórdico menos populoso da União Europeia (tem pouco mais de 5 milhões de habitantes). Tem uma língua impossível para quem vem de fora e que não guarda relação alguma com os idiomas falados nas vizinhas Suécia e Dinamarca. Por isso mesmo, a produção cinematográfica em finlandês é consumida principalmente no próprio país.

Mostra de São Paulo / Divulgação
O cineasta finlandês Mika Kaurismäki (foto: Mostra de São Paulo / Divulgação)
Pois Kaurismäki é dono de uma obra sem fronteiras. Tanto na questão linguística – filmou em finlandês, inglês, português – quanto estética – faz documentários, comédias de humor negro, dramas. Prova disso são os dois filmes que trouxeram o cineasta à 39ª Mostra de São Paulo.

Ele apresentou sua obra mais ambiciosa, o drama histórico A jovem rainha, uma coprodução Finlândia, Canadá, Alemanha e Suécia. Falado em inglês, o longa conta a história da rainha Cristina da Suécia, que no século 17 enfrentou a Guerra dos Trinta Anos. Sem a menor intenção de se casar, ela se apaixona por sua dama de companhia. O relacionamento chega ao ponto em que ela tem que se decidir entre o trono e a vida pessoal. Além deste, Kaurismäki exibiu A volta, produção em finlandês sobre o relacionamento entre um pai e sua filha adolescente. Eles deixam Helsinque e se mudam para uma pequena cidade costeira da Finlândia.

LUXO
Lá, ele é mainstream; aqui, é considerado diretor de arte. O tema familiar é caro ao cineasta, que tem duas filhas adultas em seu país natal. “Depois que me mudei para o Brasil, fiquei 15 anos sem filmar em finlandês. Sentia falta da língua, de trabalhar com atores finlandeses. E filmar em seu próprio idioma é um luxo, pois você conhece a cultura, as nuances.”

Foram também 15 anos o tempo que Kaurismäki precisou para tirar do papel A jovem rainha, que começa sua carreira comercial somente em dezembro, a partir do lançamento nos EUA. Hoje, o cineasta admite: este deve ser seu primeiro e último longa-metragem de época. “É o meu maior filme, mas, mesmo assim, o financiamento foi apertado.”

Kaurismäki escolheu a atriz sueca Malin Buska para interpretar um papel que já coube a Greta Garbo (Rainha Cristina, de 1933). “Ela (Garbo) quis fazer outro tipo de filme, mostrando uma história de amor entre duas mulheres”, conta o cineasta. Na impossibilidade, foi criado um personagem masculino espanhol, que chega à corte e desestabiliza a monarca.

“A rainha Cristina é um ícone do feminismo. Tem um pensamento muito moderno, não só por causa da guerra, mas também pelo fato de levar arte e cultura para o Norte. Ela acabou com a Guerra dos Trinta Anos, que marcou o início da história da União Europeia.” Para Kaurismäki, uma narrativa ambientada três séculos atrás consegue manter um diálogo com os tempos atuais. “Se você pensar, o mundo não mudou tanto assim. Hoje, ainda há guerra pela religião, os jovens ainda querem sair em busca de liberdade.”

Kaurismäki tem alguns títulos realizados no país, entre eles, os documentários sobre música Moro no Brasil (2002) e Brasileirinho – Grandes encontros do choro (2005). São, no entanto, coproduções com Finlândia, Suíça e Alemanha. “Tenho dois projetos de ficção, em fase de roteiro, para filmes brasileiros mesmo, em português”, comenta ele. Enquanto os projetos não se concretizam, ele continua atravessando o Atlântico várias vezes por ano para ir até a Finlândia. “Às vezes, vou até duas vezes por mês.”


A repórter viajou a convite da 39ª Mostra de São Paulo


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