Filme aborda o engajamento político de Pablo Neruda no Chile

Longa dirigido por Manuel Basoalto tem como tema a defesa que o poeta fez da democracia por meio do discurso

por Silvana Arantes 09/07/2015 09:44

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TROMBONE COMUNICA/DIVULGAÇÃO
O ator José Secall interpreta Pablo Neruda no filme (foto: TROMBONE COMUNICA/DIVULGAÇÃO)
Quando viu a democracia começar a ser sufocada em seu país, o poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973) usou sua principal arma – a palavra – para defendê-la. “Eu acuso!”, bradou Neruda na tribuna do Congresso, onde ocupava uma cadeira de senador, quando o governo de Gabriel González Videla (1946-1952) editou a Lei de Defesa Permanente da Democracia, com a qual colocou o Partido Comunista na ilegalidade, coibiu a liberdade de associação e atos como as greves.

O incendiário discurso do poeta contra o que mais tarde se convencionou chamar a “lei maldita” resultou na cassação de seu mandato e numa feroz perseguição contra ele, determinada pelo presidente. É ao período de vida na clandestinidade de Neruda e à sua épica fuga do país, atravessando os Andes em direção ao lado argentino da cordilheira, que se dedica o longa 'Neruda – Fugitivo', do diretor chileno Manuel Basoalto.

O filme estreia hoje em Belo Horizonte (Belas Artes 2) e em outras 19 cidades brasileiras. A história se passa em 1948. Não muito antes, ao testemunhar a guerra civil espanhola (1936-1939), Neruda aprendera “com o sangue que os poetas não podem se abster da realidade”, conforme uma de suas frases no longa.

Antes de se aventurar pelo gênero do filme de época, Basoalto realizou dois documentários sobre Neruda. Mas, na opinião do cineasta, faltava dimensionar, com a linguagem do cinema, a atuação política de “um personagem que não representa apenas o Chile, mas toda a América Latina. E que foi um dos símbolos de uma geração que teve muitos sonhos e utopias – sonhos que estão abandonados neste momento em que ninguém acredita em nada, sobretudo nos políticos”.

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O poeta chileno foi eleito senador nos anos 1940 (foto: TROMBONE COMUNICA/DIVULGAÇÃO)
A sensação dessa dívida cinematográfica como o legado político de Neruda ocorreu a Basoalto desde que ele filmou o documentário 'Neruda – A morte de um poeta' (2003). “Foi incrível o que aconteceu. Neruda morreu 12 dias depois do golpe militar (que derrubou Salvador Allende). Havia um medo terrível no Chile. Muita gente desaparecia. Ainda assim, as pessoas foram às ruas acompanhar o féretro. O primeiro ato de resistência civil ao golpe foi pela morte de um poeta, não de um político”, aponta o diretor.

Quando se deparou com os relatos de Neruda sobre sua fuga, Basoalto acreditou estar “diante de um exagero poético”. Até que percorreu a região em busca de depoimentos de testemunhas da escapada, e se deu conta de que era real o perigo de morte na travessia, a cavalo, da montanha em que “as condições do tempo mudam permanentemente”.

Paralelamente à fuga de Neruda, encontrando cúmplices e traidores pelo caminho, o longa ressalta sua produção poética no período e o reencontro com uma de suas fontes de inspiração, as paisagens naturais e humanas do Sul do Chile. “No discurso de Estocolmo (ao receber o Nobel de Literatura, em 1971), ele contava que o episódio de sua fuga para a Argentina também mudou sua poesia”, observa Basoalto. “Enquanto está fugindo, ele escreve 'Canto geral', um de seus livros mais importantes.”

O papel do poeta em 'Neruda – Fugitivo' coube ao chileno José Secall. A escolha do diretor contrariou os conselhos que ouviu para escalar uma estrela internacional do porte do espanhol Javier Bardem e, assim, garantir o sucesso do filme. Ocorre que, para Basoalto, a ideia de êxito é relativa. Como parte da divulgação do filme no Brasil, na semana passada ele acompanhou sua exibição e participou de debates posteriores numa favela e em três presídios femininos em São Paulo. “As meninas gritavam, aplaudiam, expressavam-se sem nenhum temor. Depois me perguntaram muitas coisas. Foi uma experiência absolutamente maravilhosa. Essas são as grandes coisas que alguém pode fazer com o cinema. É melhor que qualquer tapete vermelho de qualquer festival do mundo.”
 
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Filme mostra o momento em que o Partido Comunista chileno é colocado na ilegalidade e seus membros são perseguidos (foto: TROMBONE COMUNICA/DIVULGAÇÃO)
Três perguntas para...

Manuel Basoalto
Diretor de 'Neruda – Fugitivo'

A que se deve seu interesse em fazer um perfil cinematográfico da faceta política de Neruda?
Neruda sempre teve a convicção de que queria colocar sua literatura a serviço das pessoas, não estritamente dos letrados, dos intelectuais. Ele queria que a poesia fosse como o pão que se reparte. Quando se candidatou a senador, fez campanha lendo poemas. E foi eleito. Hoje, as pessoas desconfiam dos políticos. No mundo intelectual também se experimenta um grau de individualismo tremendo. O sucesso está relacionado com o marketing, com a ideia de que as coisas funcionem economicamente. Não há uma visão de conjunto, como propunha a arte feita na primeira metade do século 20. Ele representa essa geração que tinha uma visão de mundo diferente da frivolidade que se vê nos discursos dos políticos de hoje.

Depois da “onda vermelha”, a América Latina experimenta agora a crise dos governos de esquerda. Como avalia essa situação?
Esse cenário é o triunfo do individualismo. Os políticos passaram a se preocupar não com os sonhos das grandes maiorias, mas em resolver seus problemas pessoais e em conseguir financiamento ilegal para campanhas. Há uma crise no sentido de como se faz política. A política hoje se coloca como um negócio, não como um instrumento para melhorar a sociedade. Isso gerou a desesperança de milhões de pessoas na América Latina que pensavam que podiam confiar (nos políticos). Não sei como esse problema será resolvido. Agora só se veem os sinais de desmonte.

Arquivo O Cruzeiro/EM
Edição de O Cruzeiro Internacional, de 16 de janeiro de 1962, como primeiro capítulo das memórias de Neruda. Clique para ampliar (foto: Arquivo O Cruzeiro/EM)
Depois de dois documentários sobre Neruda, por que optou por uma ficção?

Acho escandaloso que, passados 40 anos desde a morte de Neruda, nenhum diretor chileno tenha feito um filme sobre ele. Eu queria fazer um filme profundamente chileno, porque achava que aí estaria o universal. As empresas chilenas resistem a apoiar um cinema que proponha certos questionamentos. Sugeriram que eu fizesse um filme sobre a poesia amorosa ou as mulheres de Neruda. Mas eu queria fazer um filme sobre esse período difícil que os jovens desconhecem. Estive num festival em Pequim e me emocionou ver que entenderam tudo. Eu me dei conta de que Neruda é um arquétipo que move aspectos positivos de compromisso, lealdade, fraternidade. Não me interessava fazer um filme escuro. Não queria dançar no ritmo dos festivais. Acho que o cinema tem que ter um grau de beleza. Queria mostrar essa dimensão.

O Cruzeiro

Pablo Neruda publicou na edição internacional da revista O Cruzeiro 10 capítulos de suas memórias. Segundo Manuel Basoalto, que é parente distante do poeta, Neruda deu exclusividade na América Latina para o semanário brasileiro, como sinal de seu apreço pelo país, onde manteve amigos como os poetas Thiago de Mello e Vinicius de Moraes.

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