Estreia nesta quinta longa póstumo de Eduardo Coutinho sobre jovens

João Moreira Salles, que concluiu o documentário, diz que a falta que sente do cineasta o levou a transformar 'Últimas conversas' num filme sobre ele

por Mariana Peixoto 13/05/2015 08:00

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FOTOS VIDEOFILMES/DIVULGAÇÃO
O cineasta Eduardo Coutinho durante as filmagens de 'Últimas conversas', realizadas em novembro de 2013 (foto: FOTOS VIDEOFILMES/DIVULGAÇÃO)
“Eu não sei o que dizer...”, diz a garotinha para o senhor de idade com quem está conversando. “Agora é que é bom dizer alguma coisa”, ele retruca.

A verdade da filmagem foi o que interessou a Eduardo Coutinho em toda a sua trajetória. O cineasta nunca procurou facilitar a vida de seus personagens, sempre pessoas comuns. Nas conversas, termo que preferia a entrevista, a câmera nunca perdia um silêncio, uma falta de graça, um não saber o que dizer.

O acaso faz parte do cinema de Coutinho.

'Últimas conversas', derradeiro filme do maior documentarista brasileiro, poderia não existir. Ao longo de nove dias da primeira quinzena de novembro de 2013, o diretor conversou com estudantes do ensino médio de escolas públicas.

Estava insatisfeito com o resultado. Queria fazer um filme com crianças, que não tinham censura, coisa já notória nos adolescentes, que tinham muito presente e quase nenhum passado.

A insatisfação com o projeto fica latente na primeira parte do filme. Em conversa com a montadora Jordana Berg, realizada no quarto dia de filmagens, ele se mostra desapaixonado, algo incomum para a equipe acostumada a trabalhar com ele. Acreditavam que, após o desabafo, ele poderia mudar.

Em 2 de fevereiro de 2014, Coutinho foi morto a facadas pelo próprio filho, Daniel, que sofre de esquizofrenia. Deixou bruto o material de 'Últimas conversas', 32 horas de filmagem.

O longa que chega aos cinemas nesta quinta-feira é um filme dirigido por Coutinho. Nos créditos principais ainda aparecem os nomes de Jordana Berg, que montava seus documentários desde 'Santo forte' (1999), e de João Moreira Salles, seu amigo, principal discípulo e também produtor. Proprietário da VideoFilmes, que lançou os títulos de Coutinho, Salles assumiu o papel de terminar seu último longa.

Não foi um processo fácil, nem poderia ser, como ele afirma na entrevista a seguir ao Estado de Minas, realizada por e-mail. Ao longo de oito meses, Moreira Salles e Jordana realizaram dois filmes. O primeiro, uma tentativa de fazer como Coutinho poderia ter feito, não os deixou satisfeitos.

Partiram então para uma segunda opção, fazendo o filme deles, a partir do material filmado por Coutinho. Foi neste segundo filme, que se tornou o definitivo, que Coutinho passou a ter uma presença constante, muito maior do que em todos os outros que realizou. O filme é aberto com a conversa que teve com Jordana.

E é finalizado com outro encontro. No dia da filmagem, Luiza Peçanha, a primeira das duas únicas crianças que participaram do projeto, tinha seis anos. Coutinho, 80. Depois de ouvi-la falar, pela segunda vez, “Eu não sei o que dizer...”, o cineasta conversa com ela sobre Deus. Ouve da menina: “Deus é um homem que morreu”.

Naquele momento, ele soube, como a satisfação registrada no áudio deixa entrever: tinha conseguido finalizar o filme.

A sua relação de 20 anos com Coutinho; a tragédia no fim da vida dele; trabalhar em cima de um material realizado por outra pessoa. Quais foram as maiores dificuldades que você teve para finalizar 'Últimas conversas'?
Diante das circunstâncias da morte dele; diante da falta que ele me faz; diante do meu desejo de continuar a vê-lo e ouvi-lo – diante de tudo isso, não foi difícil montar esse filme, pelo contrário, foi um modo de prolongar o meu convívio com ele. Difícil foi dizer “acabou, o filme é esse”. Talvez por isso Jordana e eu tenhamos feito dois filmes, o primeiro mais próximo ao que ele teria feito, o segundo assumindo mais a nossa autoria.

Sobre o primeiro filme: existe alguma intenção de lançar a primeira versão, nem que seja como extra em um futuro DVD?
Não. É preciso optar com convicção por um corte. Não existem dois filmes, existe apenas um, este que oferecemos ao público. Melhor ocupar os extras do DVD com entrevistas que ficaram de fora, cenas de bastidor da filmagem, esse tipo de coisa.

Na entrevista que abre o documentário, Coutinho fala da vontade (e também da impossibilidade) de fazer um filme com crianças. E é uma garota de seis anos que termina o filme. Por que terminar com ela?
Ele filmou duas crianças. Deixamos a Luiza por ela ser a mais nova das duas. O filme descreve um arco que representa bem o estado de espírito de Coutinho ao longo das filmagens: ele começa num impasse e termina num lugar luminoso, representado por uma menininha para a qual tudo é novidade. Coutinho passou a vida atrás de pessoas que pudessem dar novo lustre às palavras. Nesse sentido, terminar na infância é quase como chegar à fonte. Luiza representa o que os personagens fizeram por Coutinho. Deram-lhe razão para viver.

A simplicidade de 'Últimas conversas' é aparente, assim como em toda a obra de Coutinho. Na sua opinião, o que é essencial na filmografia dele?
Tanta coisa. Uma delas, a própria noção de essência. Qual o mínimo denominador comum do cinema? O que é possível eliminar do cardápio de meios do gênero antes que um filme deixe de ser filme? Se a gente elimina roteiro, movimento de câmera, narração, direção (Moscou) etc. – ainda é filme? Isso é uma das coisas que o cinema dele investiga.

Você acredita que Coutinho aprovaria 'Últimas conversas'?

Não sabemos, pois ele morreu antes de podermos conversar sobre a montagem. Mas Jordana e eu achamos que o filme que ele teria feito não seria essencialmente diferente do que estamos apresentando ao público. Talvez um ou outro personagem apareceria mais ou menos, alguém que ficou de fora talvez fosse incluído, mas, em essência, a espinha dorsal do filme não seria outra. Coutinho, ele sim, teria menos presença. Sentimos muita falta dele e quisemos fazer um filme não só sobre os outros, mas também sobre ele. Essa é a maior diferença.

Como 'Últimas conversas' se insere na obra realizada por Coutinho?
'Cabra marcado para morrer' (1985) retoma uma história acontecida quase vinte anos antes, tempo suficiente para que uma camada de fabulação se acrescentasse à experiência vivida. Embora a segunda parte da obra dele, iniciada com 'Santo forte' (1999), guarde diferenças essenciais com 'Cabra', há algo que une todos esses filmes, que é essa ideia da invenção do passado. Aqui, pela primeira vez, ele lida exclusivamente com gente muito jovem, ainda muito próxima das experiências formadoras. O cinema dele resiste? É o que se tenta saber.

'Santiago', seu documentário mais recente, é de 2007. Depois da experiência com 'Últimas conversas', você planeja voltar a dirigir documentários?
Estou às voltas com um filme que antecede 'Últimas conversas'. Venho trabalhando nele desde 2013. A influência de Coutinho sobre ele (porque sobre mim) é muito grande.

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