Clássico Cinderela ganha nova releitura dirigida por Kenneth Branagh

Nascida no século 17, Cinderela chega ao século 21 buscando o seu príncipe. No novo filme, quem brilha é Cate Blanchett no papel da malvada madrasta

por Helvécio Carlos 22/03/2015 13:17

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.

Jonathan Olley/Disney/divulgação
Cinderela (Lily James) e o príncipe (Richard Madden) se reencontram no filme da Disney que estreia quinta-feira (foto: Jonathan Olley/Disney/divulgação)

O suplício de papais e mamães que não aguentam mais assistir a antigas versões de Cinderela com os filhos está para acabar. A produção da Disney, lançada em 1950, ganha nova releitura dirigida por Kenneth Branagh, ator, cineasta e roteirista britânico. O elenco reúne Lily James (a lady Rose MacClare da série Downton Abbey), no papel da heroína; Cate Blanchett (que levou o Oscar 2014 por sua atuação em Blue Jasmine) como a madrasta; Richard Madden (da série Game of thrones) como o príncipe; e Helena Bonham Carter (Os miseráveis) no papel da fada madrinha.
Trata-se do primeiro longa a seguir a versão original da borralheira. Versões do clássico da literatura infantil foram lançadas na TV – Cinderela (1957), estrelado por Julie Andrews, e A Cinderela (1997), com Brandy Norwood, primeira atriz negra no papel principal – e no cinema: Para sempre Cinderella (1998), com Drew Barrymore, e Outro conto da nova Cinderela (2007), com Selena Gomez.


O novo filme tem tudo para agradar à meninada, pois traz os tradicionais ingredientes dos contos de fadas. Porém, Kenneth Branagh, em termos cinematográficos, não vai muito além de uma história bem contada. Sem inovação de linguagem e novidades, a direção é burocrática. O destaque é Cate Blanchett. Deslumbrante, a atriz constrói uma vilã cheia de sutilezas. Seu olhar da madrasta vale mais do que mil palavras...
Mas de onde veio essa heroína que atravessou séculos? Ela surgiu em 1697, pelas mãos do escritor francês Charles Perrault. Depois de ficar órfã, a garota enfrenta as maldades da madrasta e de suas filhas, verdadeiras pestes. Até chegar à Disney, Cinderela ganhou várias versões. Perrault se baseou no conto italiano “La gatta cenerentola” (“A gata borralheira”). Por sua vez, os irmãos Grimm criaram uma trama sem a fada madrinha. Coube a pequenas aves ajudar Cinderela a ir ao baile.

PERDÃO O final varia, embora sempre arrematado pelo clássico “felizes para sempre”. No longa de Branagh, a politicamente correta Cinderela dá sua lição de moral, perdoando a madrasta e as irmãs. Em outras versões, as malvadas ficam cegas depois de ter os olhos furados por pombos.


O novo longa, que estreia na quinta-feira, traz Helena Bonham Carter como uma fada simpática, meio trapalhona e bem-humorada. Em algumas adaptações, trata-se do espírito da mãe da jovem órfã, que conduz o vestido do céu para o baile onde sua humilhada filha encontrará o príncipe encantado.


Neste século 21 Lily James, Cate Blanchett e Richard Madden protagonizam um filme banhado em água com acúçar, tempero essencial para o bom e velho conto de fadas.


O direito de sonhar

Na década de 1990, estava muito empenhado em produzir clássicos da literatura infantil com alta qualidade. Depois de 3 porquinhos, A galinha ruiva e O mágico de Oz, veio Cinderela, em 1994. Um enorme sucesso de público e crítica em Belo Horizonte. Espetáculo emocionante, engraçado, premiado, luxuosíssimo – uma superprodução de US$ 23 mil, com sua carruagem coberta de renda que acomodava o príncipe sua amada confortavelmente sentados. Tentamos reproduzir, com apuro, o visual do longa de animação dos estúdios Disney, mas nos permitimos algumas liberdades poéticas. Até os adoráveis ratinhos Zezé e Tatá ganharam vida – bonecos de espuma manipulados pela habilidosa Wilma Rodrigues, da Zero Cia. de Bonecos.


Nossa Cinderela (Flávia de Marco) sonhava, sim, em se apaixonar e viver um grande amor. Isso, convenhamos, é um direito do ser humano de qualquer gênero, raça, credo, idade, status. Quem tinha a ambição de um casamento por conveniência, por segurança financeira, era a Madrasta (Márcia Hemeto). Ela fazia de tudo para que uma de suas filhas feiosas, sonsas e lesadas conquistasse o coração do Príncipe (Léo Pinho).


Nossa Cinderela não era uma mocinha ambiciosa e sem vida própria, imaginando que apenas o golpe do baú lhe traria a felicidade. Almejava viver um grande amor – e ser correspondida. Quem acreditava que o único futuro possível para uma moça é o casamento era a madrasta, que até nisso revelava a fraqueza de seu caráter, levando as filhas a crer que o único futuro se resume a um provedor bem-sucedido que lhes garantisse estabilidade e vida fácil.


Em momento algum as irmãs tortas de Cinderela – Anastácia e Drizela (Mônica Carvalho e Noêmi Assunção) – pensam no Príncipe como companheiro, alguém para compartilhar o futuro e a vida a dois. Elas foram educadas para enxergar o herdeiro real apenas como a chave do cofre.


Tentamos interpretar o mito Cinderela mostrando às meninas que não é feio sonhar com um príncipe, um marido, desde que o prisma seja a cumplicidade prazerosa do amor verdadeiro. Tentar essa conquista apenas por interesses mercenários é atitude das vilãs, das feias – daquelas que terminavam mal, assim como a Madrasta.
Enquanto Cinderela – antes mesmo de calçar o sapatinho de cristal – é identificada pelo amado apenas pelo reconhecimento de sua voz, as irmãs, tortas e tontas, recebem o desprezo do Príncipe (Léo Pinho) e de seu Grão Mestre (Rodrigo Capanema). Ou seja: sonhar com um companheiro para viver um amor verdadeiro é digno e bonito, mas sonhar com um casamento por ambição é atitude repreensível, desprezível – coisa de vilã. - Carl Schumacher - Diretor de teatro


Os tons de cinza do faz de conta

Os contos de fadas – tentativa de enfeixar sob uma denominação manifestações de formas narrativas variadas, de origens e épocas distintas – têm apelo e, provavelmente, seguirão apelando à nossa sensibilidade. O enredo típico associado a eles, marcado pelo que o estudioso búlgaro Tzvetan Todorov classifica como “maravilhoso”, envolve acontecimentos extraordinários que se integram a terras distantes, reis e rainhas, bruxas, elfos, anões e gigantes, animais falantes, bosques misteriosos e um universo de classes populares que, sem nunca se sublevar, respeitam devotadamente seus governantes.A história da gata borralheira, filha de um viúvo às voltas com a nova esposa do pai, contém alguns desses ingredientes. As perseguições da madrasta e de suas duas filhas tornam o cotidiano da heroína um inferno de ocupações domésticas e humilhações. Daí, aliás, o nome: imersa em pó e cinza ao limite da exaustão, em italiano, Cinderela atende por Cenerentola, em espanhol por Cenicienta e em francês, Cendrillon. A montanha de tarefas é deixada em suspenso graças a uma benfazeja intervenção sobrenatural, que concede à protegida a chance única de ir a um baile na corte, trajada para a exibição de seus ofuscados atrativos naturais, transportada com pompa e provida de impecável séquito. A jovem surge como uma aparição, deslumbrando o filho do monarca. Obedecendo às recomendações da fada madrinha, parte à meia-noite, quando expira a magia. Na fuga, deixa um sapato, espécie de fio de Ariadne com que o amado vai reencontrá-la em peregrinações pelos lares do reino, não sem levar candidatas afoitas a quase reeditar o mito de Procusto para emular o pezinho da dama.Contradizendo a amiga, para quem o príncipe encantado até existe, mas chega apenas quando já nos amarramos no cavalo, digo que a espera do inatingível não compensa não só porque errar é apanágio humano, mas porque açúcar em excesso faz mal. A vida nos desafia, e isso não combina nem com expectativas estáticas (ou extáticas!) nem com a artificialidade de salvações mágicas externas ou coincidências fabulares.


Mas, se como modelo feminino Cinderela está ultrapassada (as meninas de hoje lutam como as de ontem, tomam iniciativa e buscam o que querem, a realeza ou a realidade), o desejo de amar e ser amado e a força das escolhas não morrem nunca. É por ensinar pequenos e grandes a ver além das aparências, a aceitar o direito de sonhar e a acreditar também no que não se vê que os contos de fada permanecem eternamente na memória das gerações.

Manuela Ribeiro Barbosa - Doutora em teoria da literatura e literatura comparada pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais



Manuela Ribeiro Barbosa*

MAIS SOBRE CINEMA