Academia esnoba 'Boyhood' e consagra 'Birdman'

Comédia de Alejandro González Iñárritu arrebata quatro estatuetas, enquanto longa sobre amadurecimento sai da festa apenas com prêmio para Patricia Arquette

por Carolina Braga Silvana Arantes 24/02/2015 09:33

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Jason Merritt/AFP
O cineasta mexicano Alejandro González Iñárritu exibe as estatuetas de melhor filme, diretor e roteiro original (foto: Jason Merritt/AFP)
O Oscar nunca foi lá muito chegado às comédias. Embora seja controverso o quão cômico 'Birdman' é, o empate em quatro estatuetas com 'O Grande Hotel Budapeste' fez com que essa insossa edição consagrasse o gênero. Seja a comédia com uma tendência mais dramática ou de estética experimental. É assim que ambos os longas se assumem.

O mexicano Alejandro González Iñárritu faturou a estatueta de melhor diretor e os prêmios mais importantes da noite, como filme, roteiro original e fotografia. Com figurino, direção de arte, trilha sonora e maquiagem, Wes Anderson não ficou atrás com seu 'Budapeste'. Aliás, todos os oito filmes indicados à principal categoria levaram ao menos uma estatueta.

Surpresa mesmo foi o fato de a Academia haver esnobado 'Boyhood', o tour de force de Richard Linklater, filmado durante 12 anos, e a sequência de prêmios arrebatados pela pequena produção 'Whiplash'. O filme foi feito com insignificantes, para o padrão hollywoodiano, US$ 3,3 milhões, não passou da marca dos US$ 10 milhões na bilheteria e saiu do Dolby Theatre com três prêmios relevantes: ator coadjuvante (J. K. Simmons), mixagem de som e montagem. Sintetizou a máxima de que este foi o ano dos independentes.

Mas a festa foi sem brilho. Neil Patrick Harris foi cansativo ao perseguir a graça a todo custo. Com ele, a Academia fracassou mais uma vez em sua incansável busca por um substituto à altura de Billy Cristal. Até a espalhafatosa Lady Gaga apareceu mais contida na homenagem ao clássico 'A noviça rebelde', devidamente reverente à Julie Andrews.

Foi uma cerimônia com pouco humor, o que é curioso para uma noite que acabou por consagrar duas comédias. Numa noite marcada por discursos sérios em torno de grandes questões (igualdade de gêneros e racial, ameaças terroristas e de censura), a ironia de Sean Penn foi mal interpretada. No palco para anunciar o vencedor de melhor filme, ele disse, após ler o conteúdo do envelope: “Quem deu o green card para esse filho da mãe?”. O mexicano Inárritu, alvo da piada, classificou-a como hilária.

Em seu discurso de agradecimento, Iñárritu afirmou: “Eu gostaria de aproveitar a oportunidade para dedicar esse prêmio para meus amigos mexicanos. Rezo para que aqueles que vivem no México possam encontrar e construir um governo que merecemos. E para os que vivem aqui e fazem parte da nova geração de imigrantes, rezo para que possam ser tratados com a mesma dignidade e respeito dos que vieram antes para que construam essa incrível nação de imigrantes.”

Stephen Hawking parabenizou, via Facebook, o ator Eddie Redmayne, que faz o papel do físico em 'A teoria de tudo', pelo qual recebeu o Oscar. “Parabéns, Eddie, estou muito orgulho de você”, publicou, assim que o prêmio foi anunciado. Da Rússia, onde está exilado, o ex-agente Edward Snowden também parabenizou a diretora Laura Poitras pela vitória do documentário CitizenFour.

O filme que suplantou 'O sal da Terra', sobre o fotógrafo Sebastião Salgado, retrata o turbilhão dos últimos anos na vida de Snowden. O foco é o escândalo causado pelos vazamentos promovidos por ele que trouxeram a público a extensão e os alvos de espionagem de Washington.
 
Resultado é coerente com a lógica de Hollywood
 
Por que 'Boyhood' foi tão esnobado neste Oscar? Foi essa a pergunta que boa parte da crítica se fez logo após o resultado da premiação. A resposta é obvia: modus operandi de Hollywood. Sempre foi assim.

Por mais que este tenha sido o ano dos independentes, vale o que é da indústria e mais ainda quando fala sobre si própria. Tem vaidade para dar e vender ali. É este o alvo que 'Birdman' acerta na mosca. O filme não deixa de ser um tratado sobre o ego inserido em um mundo dependente disso.

Já o longa dirigido por Richard Linklater é o resultado simples de um projeto ousado. Ao dedicar 12 anos para contar uma história, assumiu muitos riscos, sendo o menor deles qualquer um dos envolvidos desistir da empreitada antes do fim. O cineasta foi em frente e construiu uma obra capaz de apreender, na tela, a passagem do tempo. Crescer é mais normal e bem menos glamouroso do que os filmes em geral contam. Por isso, Boyhood foi tachado de sem graça.

'Birdman', por sua vez, fala diretamente aos votantes. O ex-herói Reggan, de Michael Keaton, é o alter ego de muitos que estavam nas poltronas do Dolby Theater na noie de domingo. As vitórias nos principais sindicatos especializados sinalizaram o óbvio e reafirmaram o Oscar como um clubinho, menos preocupado com a linguagem do cinema e mais interessado em se espelhar.

A cerimônia deste ano fez voltar à tona o tradicional embate entre acadêmicos e críticos. Nos últimos 20 anos, apenas três dos longas que mais agradaram à imprensa especializada levaram estatuetas. Sete foram indicados, mas não levaram, e outros 10 nem sequer foram indicados. Em compensação, também durante três anos a Academia premiou os filmes que receberam as críticas mais desfavoráveis, segundo levantamento do site Metacritic.

Nos 87 anos de Oscar, é mais comum a coincidência dos resultados de diretor e filme. Somente 23 vezes o prêmio entre as duas categorias foi diferente, como em 2014, quando o mexicano Alfonso Cuarón levou o prêmio de direção por Gravidade e o melhor filme foi 12 anos de escravidão.

Até agora, o longa dirigido por Richard Linklater é o mais premiado pela imprensa especializada: Broadcast Film Critics Association (Critics Choice Awards), Boston Society of Film Critics, Chicago Film Critics Association, Los Angeles Film Critics Association, London Film Critics Circle, New York Film Critics Circle e Toronto Film Critics Association.
 
Crítica: 'Birdman' é  um voo raso
Silvana Arantes

'Birdman' é a história de um homem que abriu mão de ser um astro de Hollywood (o intérprete do super-herói Birdman do título) para tentar (muitos anos mais tarde) converter-se num ator de prestígio na Broadway. O subtexto, portanto, são as engrenagens da indústria do cinema e da fama.

Como em todos os seus demais filmes, com a exceção de 'Amores brutos' (2000), o diretor Alejandro González Iñárritu não resiste à tentação de tentar parecer um grande artista (o que ele não é) com uma importantíssima mensagem a transmitir.

O problema com Iñárritu é que ele escolhe grandes temas, mas tem pouco a dizer sobre eles. À falta de substância, o diretor recorre a efeitos para fazer alarido. Em suma, é um cineasta que grita suas “mensagens”. No caso de 'Birdman', o principal truque cinematográfico que ele emprega é uma dissimulação. A montagem do filme faz parecer que ele foi rodado de um só golpe, sem desligar a câmera, o que seria, na linguagem técnica do cinema, um plano-sequência único.

Some-se à edição acelerada uma trilha sonora duas oitavas acima e temos um filme que não quer deixar o espectador respirar, mal disfarçando seu próprio fôlego curto.

Classificado como uma comédia, 'Birdman' acompanha personagens trágicos em suas experiências com distintas variáveis da miséria emocional (paranoia de pensamentos repetitivos, medo da rejeição, dependência). Não se percebe onde está a graça.

No retrato do sistema que move a indústria do entretenimento que o filme se propõe a fazer, o escorregão é ainda maior. O que de início se esboça como uma crítica à superficialidade da era digital e ao afã pelos “likes” e compartilhamentos nas redes sociais termina numa adesão constrangedora à ideia de que neste século só tem relevância quem ‘viraliza’.

Muito embora 'Birdman' tenha seduzido um grande número de espectadores e arrancado quatro Oscars da Academia de Hollywood, é um voo raso. O melhor efeito que ele provoca é a vontade de rever títulos como 'Broadway Danny Rose' (Woody Allen, 1984) ou 'Tio Vanya em Nova York' (Louis Malle, 1994), para se reconciliar com o cinema. Passado o burburinho provocado por suas estatuetas, esse filme de Iñárritu ocupará seu lugar como uma nota de rodapé na história do cinema.
 
Confira quais foram os prêmios dos oito indicados a melhor filme

'Birdman' – 4
  • Filme
  • Direção (Alejandro González Iñárritu)
  • Roteiro original (Alejandro G. Iñárritu, Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris Jr. e Armando Bo)
  • Fotografia (Emmanuel Lubezki)

'O Grande Hotel Budapeste' – 4
  • Figurino
  • Cabelo e maquiagem
  • Trilha sonora
  • Desenho de produção

'Whiplash' – 3
  • Ator coadjuvante (J. K. Simmons)
  • Montagem (Tom Cross)
  • Mixagem de som

'Sniper Americano' – 1
  • Edição de som
 

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