Diretor do filme 'O homem que virou suco', João Batista de Andrade se dedica à literatura

Cineasta avalia as produções de sua época e cobra mais substância social no cinema atual

por Carolina Braga 21/11/2014 09:00

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Rogério Resende/Divulgação
(foto: Rogério Resende/Divulgação )
Fortaleza
– “Sabe aquele sujeito que vai no bar, a mulher mais bonita do lugar olha para ele e a figura vira para trás para saber para quem está olhando?”, pergunta o cineasta João Batista de Andrade. “Pois eu sou assim”, apresenta-se. É por isso que, com mais de 40 anos de carreira, o diretor homenageado do Cine Ceará diz não ter muita noção do que a obra dele significa para a história brasileira. O diretor de O homem que virou suco (1981), integrante da geração de cineastas que lutou contra a ditadura, é um homem discreto. “Tenho um distanciamento, mas não sei se ele é defensivo”.


A cada frase reafirma o amor ao cinema, mas prefere se manter distante da expressão artística que o consagrou. Desde 2006, não lança trabalhos inéditos para a telona. Isso não significa que esteja afastado das artes. O João Batista de hoje é mais ligado à literatura, ao desenho e até a textos críticos publicados nas redes sociais. No dia 26, ele lança em São Paulo o romance de ficção científica A terra será azul. Na mesma leva tem a reedição de Confinados e o recebimento do Troféu Juca Pato, concedido pela União Brasileira dos Escritores.

Para 2015, estão prontos um livro de contos, Poeira e escuridão, com lembranças dos tempos em que viveu em Ituiutaba (Triângulo Mineiro), e o romance O manuscrito do jovem Gabriel. “Tem muito a ver com o jovem de hoje. É pesado”, avisa. João Batista de Andrade não tem mesmo um olhar muito otimista – embora seja realista – sobre as perspectivas para a juventude. “É só crise”, constata.

Com o desprendimento que vem com a idade, diz que vai ficando menos crítico e se surpreende com interesse despertado por seus filmes. Justamente por essa juventude descrente. Longas proibidos e confiscados, como Liberdade de imprensa (1967), O homem que virou suco (1981), Doramundo (1978), A próxima vítima (1983), País dos tenentes (1987) e muitos outros viram temas de teses e artigos acadêmicos.

Cinema social Enquanto muitos procuram compreender sua obra, João Batista é sucinto: “Fazia um cinema muito particular que na verdade representava uma travessia crítica. Não era militante, de quem faz filme para combater a ditadura. Eram filmes que tentavam explicitar questões que a ditadura tinha imposto para a sociedade”. Cinema de intervenção.

“Em vez de mirar minha câmera para os ditadores, mirei na sociedade. É um cinema bastante social. É político, mas é voltado para o social”, explica. Ao longo da carreira, João Batista de Andrade lançou 36 filmes. Na década de 1970, integrou a equipe de documentaristas que marcou a história do Globo repórter, ao lado de Eduardo Coutinho, Walter Lima Jr. e Maurice Capovilla. Todos são conhecidos por uma obra crítica, que de uma forma ou de outra questionava a realidade do país em seu tempo.

Geração que também teve suas contradições. Eram comunistas fazendo um cinema extremamente questionador, mas direcionado para a televisão. Foram artistas que lutaram pela democratização do país e que viram suas carreiras abaladas com as medidas tomadas pelo primeiro presidente eleito depois da ditadura, Fernando Collor, em 1989. “Ia fazer um filme sobre o Wlado (Wladimir Herzog), uma produção internacional, aí o Collor bloqueou e acabou com a minha carreira”, lembra.

João Bastista de Andrade sabe que o cinema brasileiro já não tem as mesmas características que marcam a produção questionadora do passado, seja no modo de realização ou em seu conteúdo. Analisa sem julgamentos. “Hoje foge-se do épico. É um cinema mais voltado para os pequenos dramas da sociedade. Estão vasculhando outros terrenos. Não tenho muita vontade de fazer esse tipo de cinema. Acho que trabalho com conflitos maiores”, conclui.

* A repórter viajou a convite do Cine Ceará

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