Estudo revela como Hollywood se submeteu e levantou a bandeira do nazismo na década de 1930

Durante o auge do regime de Hitler, mais de 400 filmes foram submetidos ao governo alemão

por Fellipe Torres 02/09/2014 11:23

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Hulton-Deutsch Collection/Corbis
Hitler assistia a um filme todas as noites antes de dormir: só a palavra falada era capaz de inspirar mudanças. (foto: Hulton-Deutsch Collection/Corbis)
Uma das mais importantes “armas” dos EUA esteve, por sete anos, a serviço do nazifascismo alemão. O caso afetou a maior fonte de poder simbólico norte-americano: a indústria cinematográfica, cuja força está na capacidade de influenciar comportamentos e interesses. De 1933 a 1940, quando o regime de Adolf Hitler vivia o auge, mais de 400 filmes foram submetidos ao governo alemão. Muitos não chegaram nem a ser rodados, outros tiveram os roteiros modificados, cenas cortadas, ou foram ajustados para agradar o Terceiro Reich. O período é analisado com rigor em 'A colaboração – O pacto entre Hollywood e o nazismo' (Leya, 368 páginas, R$ 54,90), do pesquisador Ben Urwand, da Universidade de Harvard.

Fruto de nove anos de estudos, o levantamento aponta como os interesses econômicos falaram mais alto em uma época em que o mercado de consumo alemão era indispensável (por ano, até 60 filmes produzidos nos EUA estreavam no país). Depois de analisar cartas e relatórios dos dois governos envolvidos, Ben Urwand derruba o mito de que Hollywood havia atuado com veemência contra o fascismo. Os grandes estúdios chegaram ao consenso de não produzir filmes de caráter antinazista, além de se submeter à censura de Hitler. O maior daquela época, o MGM, até investiu na indústria bélica alemã para cair nas graças do führer. Já a Warner Brothers convidou o partido nazista para atuar no processo decisório relativo aos filmes, antes que eles fossem lançados no mundo.

O regime nazista julgava importante manter o acordo com os norte-americanos para defender a honra nacional. Havia a impressão de que a indústria cinematográfica destruía a reputação do país europeu desde a Primeira Guerra Mundial. Até quando surgiu o primeiro filme antinazista, Confissões de um espião nazista (1939), o roteiro havia sido submetido ao governo alemão e liberado pelos censores por ser considerado“ingênuo” e supostamente despertar “mais medo do que ódio”.

Um ano antes, o Ministério da Propaganda nazista havia publicado lista negra de atores e pessoas ligadas a Hollywood. Caso algum tivesse papel importante, o filme em questão seria proibido na Alemanha. Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, os filmes defendiam a ideia de uma raça superior alemã e suprimia personagens de origens judaica, indígena ou negra. Somente com a deflagração do conflito internacional os EUA começaram a produzir filmes antinazistas.

NO ESCURINHO

Memorialdafama.com/Reproducao
Confissões de um Espiao Nazista (1939). (foto: Memorialdafama.com/Reproducao)
Hitler, um cinéfilo

O líder nazista Adolf Hitler assistia a um filme todas as noites, antes de dormir. As opiniões do líder eram anotadas pelos auxiliares, e geralmente se encaixavam nas categorias “bom”, “ruim” e “desligado” (quando a projeção era interrompida). O mesmo método de classificação viria a ser adotado mais tarde pelos censores alemães. No livro Minha luta (Mein kampf), chegou a afirmar que “livros não serviam para nada”, pois um escritor jamais poderia mudar a visão do homem comum.

Scarface – A vergonha de uma nação (1932)
O Conselho de Censura nazista considerou que o filme glorificava a vida criminosa e fazia o crime parecer profissão legítima. Para o governo alemão, tanto Scarface quanto qualquer outro filme de gângster ameaçava reintroduzir o crime no país. Um deles foi liberado porque abordava o tema de maneira crítica e oferecia reflexões sobre como o problema seria solucionado: O despertar de uma nação.  

King Kong (1933)
Era um dos filmes preferidos de Adolf Hitler. Um dos seus censores, no entanto, considerava“um ataque aos nervos do povo alemão”. O fato de haver uma uma “mulher loira do tipo germânico na mão de um macaco” seria, supostamente, uma provocação aos “instintos raciais” alemães. O filme acabou sendo liberado com um ajuste no título, que passou a ser A fábula de King Kong, um filme americano de truque e sensação.

O cachorro doido da Europa (1933)
Logo após o surgimento do nazismo, o roteirista Herman J. Mankiewicz quis rodar um longa sobre a maneira como os judeus eram tratados pelo governo de Hitler. A perseguição étnico-religiosa deu origem ao roteiro do filme que se chamaria The mad dog of Europe, mas que nunca foi concretizado. Foi barrado por empresários e censores temerosos com a repercussão da obra teria entre os alemães.

Confissões de um espião nazista (1939)
Único filme antinazista da época, foi avaliado e liberado por Hitler. O longa apontava os “pontos negativos” do regime nazista de maneira confortável (o roteiro era ingênuo e não levantava questões como a perseguição aos judeus). Após o lançamento, falou-se em “conspiração judaica” e várias entidades processaram a Warner Brothers por difamação, o que levou à proibição do filme em 20 países.

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