Cineasta francês questiona a Fifa e comenta sobre as manifestações contra a Copa

Daniel Cohn Bendit ficou quatro dias no Brasil, fez entrevistas e registrou cenas para o documentário 'Futebol, o filme'

por Nahima Maciel 26/06/2014 10:08

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Luiz Venturelli/Divulgação
Daniel está no Brasil para fazer um documentário sobre o esporte mais praticado no país (foto: Luiz Venturelli/Divulgação)
Em 1984, Daniel Cohn Bendit passou quatro meses viajando pelo Brasil em um ônibus leito em companhia da namorada, que, mais tarde, se tornaria sua mulher. Na época, desembarcou na Rodoviária de Brasília, deu uma olhada na Esplanada dos Ministérios e, quatro horas depois, estava de volta à poltrona do ônibus leito. Cohn Bendit, o estudante que inflamou Maio de 68 em Paris atrás de barricadas e com discursos de esquerda, não gostou da cidade. Esta semana, ele repetiu a experiência. Desta vez, ficou quatro dias, fez entrevistas, escreveu sobre a cidade e registrou cenas para o documentário 'Futebol, o filme', no qual pretende mostrar como os brasileiros vivem a Copa do Mundo fora dos estádios.

O road-movie de Cohn Bendit dispensa o avião. É por terra, à frente de um camping car, que a equipe do filme se desloca. “O camping car foi pintado por um artista da favela Chácara do Céu, do Rio, e com ele saímos pelo Brasil vivendo o que chamo de contracampo da Copa do Mundo. Tem a Copa nos estádios, mas tem os problemas que ela traz”, diz Cohn Bendit.

Uma das primeiras paradas foi na casa do índio guarani Werá Jeguaka Mirim, autor do protesto que pedia a demarcação de terras indígenas durante a abertura do Mundial no Itaquerão. Desde então, Cohn Bendit já esteve em uma periferia que afastou a violência com saraus de poesia, entrevistou jogadores engajados política e socialmente, contou a história do jogador Sócrates e seu compromisso com a democracia e assistiu ao jogo do Brasil contra Camarões na Torre de TV. Ainda vai passar por Belo Horizonte e Salvador.

Leia a entrevista com Daniel Cohn Bendit

E como o senhor vê o futuro da Europa?

A construção europeia é algo mágico. Ninguém acreditaria, depois da Segunda Guerra, que conseguiríamos criar esse espaço político no qual, de repente, a guerra entre a França e a Alemanha se tornasse algo impossível. Ao mesmo tempo, é um momento histórico de ruptura com a ideia de que o estado nação, que levou dois ou três séculos para se formar, possa responder a todos os desafios da crise financeira, econômica e ecológica. Isso é uma transição histórica e leva tempo. Quando dizemos que a Europa está em crise, é verdade, mas a construção da democracia europeia é algo difícil. Quanto tempo a França levou para se tornar uma democracia entre a Revolução Francesa em 1789 e o direito de voto das mulheres, que é a igualdade, em 1945? São mais de 150 anos. A construção de um espaço político democrático é algo dificil, avança e retrocede. E agora estamos num período de recolhimento. Não há determinismo, não digo que a construção europeia vai ser um sucesso de qualquer jeito. O que digo é que é uma experiência histórica única que tem dificuldades. Sou otimista, acho que vamos superar as dificuldades, mas isso não está escrito no mármore.

E quanto à ecologia, o mundo está fazendo o suficiente?

De um lado, cada vez mais sentimos nas sociedades que o questionamento ambiental e ecológico se generaliza, mas ao mesmo tempo é muito difícil porque a ecologia é uma crítica tanto à direita tradicional quando à esquerda tradicional quanto a suas concepções de crescimento e desenvolvimento. Quando os ecologistas propõem algo ecologicamente, eles dizem algo muito simples: "se vocês vierem conosco, será muito mais difícil porque será preciso mudar os modos de vida". E mudar os modos de vida não é algo que se decreta de uma hora para a outra. Acho que há um recolhimento político da ecologia política hoje na Europa. Nos Estados Unidos, a temática do aquecimento climático vai e vem. Os partidos políticos sentem que é preciso fazer algo a respeito, mas como isso é algo em contradição com o funcionamento normal do capitalismo produtivo como ele é hoje, não se sai do lugar.

E no Brasil, o senhor vê algum progresso nessa área?

Visto de fora, acho que Marina foi a grande surpresa das últimas eleições presidenciais. De alguma maneira, ela é uma voz. O problema é que se você não for uma força política capaz de intervir também no espaço político tradicional, mesmo se houve uma agenda reconhecida, não adianta. Midiaticamente no debate social, não há a influência que deveria haver. Marina não conseguiu montar o partido, ela está em dificuldade política, sobretudo porque a linha do PSB e de Campos não é muito clara.

Temos uma bancada ruralista forte, com alguns membros aliados do PT, e que dificulta a aprovação de medidas de proteção ambiental.

Isso são as contradições da maioria do PT. Hoje, teoricamente, todo mundo compreende a defesa da floresta Amazônia, mas na prática vamos no sentido contrário. E visivelmente o Congresso não consegue uma maioria. Mesmo quando Dilma tenta bloquear, não bloqueia realmente. Faz-se qualquer coisa, na verdade.

Há também um projeto de emenda à Constituição (PEC 215/00) que propõe mudar a carta no que diz respeito à demarcação de terras indígenas. Uma parte dos deputados e senadores querem que essa competência deixe de ser da União e passe para as mãos do Congresso, que ficaria com plenos poderes para decidir o destino das reservas indígenas. O que o senhor acha disso?

É por isso que eles querem hoje que o Ministério da Justiça decida sobre a demarcação e proteção do território deles. Claro, se deixar o Congresso hoje decidir sobre isso, visto a maioria que se tem lá, os territórios indígenas serão cada vez mais renegados. Na Constituição alemã, há parágrafos que ninguém mais pode mudar. Por exemplo, a pena de morte. É proibida e não importa que maioria haja no Parlamento, ela não pode mudar isso. E outros parágrafos sobre a liberdade de expressão também. No Brasil, é preciso uma proteção constitucional na qual a proteção dos territórios pela União permaneça intangível. Senão, vai ser a pena de morte dos territórios indígenas. Não se pode deixar um debate sobre a pena de morte nas mãos de uma maioria qualquer. O que seria preciso é defender esses artigos da Constituição como se fossem intangíveis.

Qual o papel dos índios na temática ecológica?


Eles têm uma forma de vida muito mais ligada à natureza e ao funcionamento da natureza. Eles vivem na natureza. E foi, aliás, o que me surpreendeu quando fomos ver essa tribo guarany a quatro horas de São Paulo. Eles vivem como se estivessem na Amazônia. Não acredito que eles sejam tão minoritários para serem atores influentes da proteção do meio ambiente. Eles são a demonstração da necessidade dessa proteção.

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