Filmes despertam debate sobre homofobia e temática LGBT no cinema

'Praia do Futuro' e 'Hoje eu quero voltar sozinho', em cartaz nos cinemas brasileiros, também foram exibidos no Festival de Berlim

por Ailton Magioli 27/05/2014 08:40

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Alexandre Ermel/Divulgação
Atuação do ator Wagner Moura em 'Praia do Futuro', de Karim Aïnouz, tem colecionado elogios e despertado polêmica (foto: Alexandre Ermel/Divulgação)
A existência de um suposto carimbo de advertência (“Avisado”) acerca das cenas de homossexualidade em 'Praia do Futuro', de Karim Aïnouz, tem gerado polêmica, ainda que a presença de filmes de temática LGBT seja crescente nas telas brasileiras. Que o diga o tocante 'Hoje eu quero voltar sozinho', de Daniel Ribeiro, que, indiferente à questão, segue carreira de sucesso, inclusive em Belo Horizonte.


“Para ser sincero, não entendo muito bem a razão da polêmica. Afinal, no ano passado houve um filme muito mais transgressor ('Tatuagem', de Hilton Lacerda) que este, que não provocou reações”, desconversa Thiago Coacci, do Grupo Universitário em Defesa da Diversidade Sexual, surgido dentro da UFMG, em 2007, para combater práticas como o trote homofóbico.

“Talvez a presença de Wagner Moura, que havia interpretado o capitão Nascimento em 'Tropa de elite', seja responsável pela polêmica em torno de 'Praia do Futuro', onde interpreta um gay”, acrescenta Thiago. Na opinião do militante, o impacto provocado pela presença do ator no filme de Karim Aïnouz pode ter gerado as reações homofóbicas mais violentas.

“Eu, por exemplo, não gostei dos diálogos, que são ruins, e do roteiro”, critica Thiago Coacci, que, em contrapartida, confessa ter gostado bastante do primeiro longa-metragem de Daniel Ribeiro, originário do curta 'Eu não quero voltar sozinho', de 2010. Ele faz questão de lembrar que o grupo não tem posição definida sobre o tema, apesar de repudiar toda e qualquer atitude homofóbica. “Acreditamos que o cinema está perdendo a oportunidade de se posicionar de uma forma positiva contra a homofobia”, lamenta polêmica envolvendo 'Praia do Futuro'.

Preparando o lançamento nacional de produto do mesmo formato, Leandro Wenceslau, diretor do curta 'Enquanto ainda é tempo', acredita que tais polêmicas, na verdade, batem de frente com questões ainda arraigadas na cultura brasileira, como o machismo e o racismo. “Quando a abordagem é feminina, não há esse estardalhaço”, constata Leandro, lembrando do vencedor da Palma de Ouro de Cannes do ano passado, 'Azul é a cor mais quente', de Abdellatif Kechiche, que retrata uma tórrida paixão entre duas mulheres.

Lacuan Filmes/Divulgação
O longa-metragem 'Hoje eu quero voltar sozinho' conquistou prêmios em Berlim e é sucesso de público em todo o Brasil (foto: Lacuan Filmes/Divulgação)
Apesar de tudo, no entanto, o jovem diretor acredita que seja saudável a discussão da temática GLBT pelo cinema. “As coisas ainda não estão bem resolvidas”, justifica Leandro Wenceslau, que, a exemplo de Daniel Ribeiro, leva para as telas com seu filme o envolvimento de dois adolescentes. “Temos de nos confrontar com isso”, repara. Com exibição agendada para o dia 24 de junho, no Espaço 104, de Belo Horizonte, 'Enquanto ainda é tempo' terá estreia nacional no Festival de Santos (SP), seguindo para evento do gênero, no Rio, em julho. “É preciso exibir para a gente sentir”, afirma Leandro, que espera por reações diversas a seu filme. “Especialmente em Minas Gerais, onde ainda é grande o conservadorismo.”

Opinião “Gostei do filme, que é suave, mas não gosto do estilo justamente por ter par homossexual”, reagiu, no fim de semana, a assistente social Maria de Paula, logo depois da sessão de 'Hoje eu quero voltar sozinho'. “É o tema da atualidade”, admitiu ela ao ser lembrada que a presença de casais gays é cada vez mais frequente na TV. Sem saber da temática, o agente aeroportuário Geovane Maron disse não ter se chocado com as cenas de amor homossexual de 'Praia do Futuro'. “Já virou rotina”, diz.
“Trata-se de um filme excepcional, com atuação muito boa de Wagner Moura”, reagiu o secundarista Murilo Caliari. A polêmica em torno do filme de Karim Aïnouz não se justifica, na opinião do estudante. “Nenhum gay sai de um filme heterossexual por causa da cena de sexo”, justifica Murilo.

As primas Tainá Martins e Delze Laureano, ambas advogadas, atribuem à discriminação o motivo da polêmica em torno de 'Praia do Futuro'. “E o pior é que aqui no Brasil o preconceito é velado”, denuncia Delze, que não vê razão para polêmica, já que em sua opinião o filme não gira em torno da homossexualidade.

 

Três perguntas para...

Daniel Ribeiro 

Diretor de Hoje eu quero voltar sozinho

 

1 - Você tem acompanhado a polêmica em torno do filme Praia do Futuro, de Karim Aïnouz? O que acha dela?
Acho que estamos vivendo um momento muito interessante da relação entre a sociedade brasileira e a questão da homossexualidade. Hoje, o tema está fora do armário e estamos tendo que lidar com os muitos pontos de vista que essa visibilidade traz. Sinto que essa polêmica em relação ao Praia do Futuro é mais uma etapa de um debate que está em pauta e acredito que a sociedade sai mais esclarecida depois dessa discussão toda. Evidentemente que carimbar os ingressos comprovando o “aviso” de que o filme contém cenas de sexo homossexual é um absurdo, mas a reação que houve pelas redes sociais contra essa atitude revela que esse tipo de comportamento preconceituoso não é mais tolerado.

2 - A que você atribui a aceitação de Hoje eu quero voltar sozinho? Chegou a ficar sabendo de alguma reação do mesmo tipo?
Acho que o fato do Hoje eu quero voltar sozinho não retratar o ato sexual em si é o que evita a polêmica. No Brasil, a gente tem uma questão delicada com o sexo, seja ele homossexual ou não. Um filme como o Ninfomaníaca, do Lars Von Trier, também causa polêmica. Além disso, acredito que hoje em dia os brasileiros lidam melhor com a questão da homossexualidade, principalmente pela quantidade de personagens gays que já foram retratados nas novelas e nos filmes. Então, um filme como o meu, que conta uma história de amor de forma mais inocente, mesmo que seja gay, não surpreende tanto.

3 - Até que ponto o cinema pode contribuir para acabar de vez com o preconceito em relação à temática GLBT?
Acho que o cinema pode contribuir muito e é muito positivo que estejamos discutindo o assunto por meio deste filme. O Karim filma o corpo humano de forma linda e a questão do sexo gay ele já tinha retratado no Madame Satã, de 2002, no qual o Lázaro Ramos também tinha cenas de sexo com um outro homem. Agora, em 2014, acredito que enfrentando o debate a sociedade é capaz de compreender e aceitar o que é diferente do que estamos acostumados. 

 

Números

Já na sétima semana em cartaz, 'Hoje eu quero voltar sozinho' contabilizava 178 mil espectadores em todo o Brasil, até a semana passada, transformando-se em um verdadeiro fenômeno do chamado boca a boca. O filme de Daniel Ribeiro, que estreou em 33 salas, chegou a 45 salas na segunda semana de exibição, atingindo 70 na terceira semana. Em cartaz desde o dia 15, Praia do Futuro tem público estimado em 82 mil espectadores até agora, restando ainda o fechamento da bilheteria da segunda semana de exibição.

Em Berlim


Tanto 'Praia do Futuro' como 'Hoje eu quero voltar sozinho' estrearam no Festival de Berlim, em fevereiro deste ano. A recepção, no entanto, foi bem diferente. O filme de Karim Aïnouz foi recebido com frieza, com parte do público deixando a sala antes do final da exibição. Já o longa de Daniel Ribeiro teve recepção calorosa e ficou com os prêmios Teddy, direcionado a produções com temáticas LGBT, o Firepresci (da Federação da Crítica Internacional) e ainda o segundo lugar na escolha do público.

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