Dama incansável, Laura Cardoso diz que não pensa em parar

Atriz de 86 anos, ganha homenagem e recorda os primeiros passos na televisão e os trabalhos realizados para o teatro e o cinema

por Carolina Braga 03/05/2014 00:13

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Cine PE/Divulgação
Laura Cardoso estreia em breve dois filmes e está em cartaz em São Paulo com a peça sobre sexo e amor na maturidade (foto: Cine PE/Divulgação)

Recife –
As filhas Fátima e Fernanda passam apertadas com a mãe, a atriz Laura Cardoso. Não adianta falar para diminuir o ritmo. É quase uma ofensa para a senhora de 86 anos. “Elas ficam falando: ‘Não aceita, mãe’, mas eu não posso não aceitar. Não vou lá por causa do dinheiro. É porque me dá prazer e porque acredito no que vou fazer”, afirma. Não há quem duvide disso. A satisfação ao falar de trabalho é tanta que Laura Cardoso não esconde que é mesmo uma workaholic. Ela garante que sempre foi assim.

É por isso que quando se depara com homenagens, nunca sabe direito o que falar. Esta semana a atriz recebeu do Cine PE o troféu pelo conjunto da obra. “Sem falsa modéstia, fico sem graça. Não mereço essa homenagem. O que eu fiz?”, pergunta. O que fez, Laura? Nada de mais: são 74 trabalhos na televisão e 29 longas-metragens, além de dezenas de peças de teatro, das quais já perdeu a conta. “É uma alegria, porque é um reconhecimento do público pelo meu trabalho. Tenho a sorte de ser uma atriz de que o Brasil gosta.” Não é uma admiração gratuita.

Quando deixou de lado o nome de batismo, Laurinda de Jesus Cardoso Baleroni, e se assumiu como Laura Cardoso, a televisão emitia os primeiros sinais no Brasil. A carreira na Rádio Tupi ia de vento em popa, mas, inquieta, precisava experiementar o novo. Ela lembra que se encontrava com o diretor Cassiano Gabus Mendes nos bastidores da TV Tupi e pedia insistentemente para ser escalada para algum programa na telinha.

Em 1952, já estava na ativa. Estreou, aos 25 anos, no programa Tribunal do coração, ao lado da atriz e autora Vida Alves. Nunca mais parou. Laura Cardoso chegou a fazer até quatro produções na TV em um mesmo ano. A primeira novela na TV Globo foi Brilhante (1981), com direção de Daniel Filho e texto de Gilberto Braga. A aparição mais recente foi como a Veridiana em Flor do Caribe (2013), depois de ter conquistado elogios calorosos do público e da crítica como Dorotéia em Gabriela (2012).

Seja na televisão, no cinema ou no teatro, Laura Cardoso diz que sempre encarou a profissão com a máxima dedicação. “Trabalho é trabalho. Mesmo que seja no meio da rua, recitando ‘batatinha quando nasce’. É serio e tem que ser dedicada”, afirma. Laura Cardoso assume seu lado “caxias”. Toda vez que entra em um projeto, para tudo para estudar. É daquelas que dorme com o texto no criado-mudo, para, caso acorde no meio da noite, resgatar a leitura e anotar ideias sobre a interpretação da personagem.

“Amo e respeito meu trabalho. Sou muito cuidadosa com o que faço. Sou até chata, elitista. Se o texto é bom, faço.” Diz que essa “mania” vem desde a época em que aprendeu a ler, ainda muito nova, com o pai. Costumava reproduzir em voz alta tudo que aparecia pela frente. Placas de lojas, jornais, rótulos diversos. Hoje ela entende a paixão pela leitura na infância como processo apurado para reconhecimento de textos relevantes. É com base nisso que vem fazendo as escolhas ao longo da vida profissional.

Medo e otimismo


Apesar da experiência no cinema, Laura considera esta a arte mais difícil entre as que decidiu atuar. Quando fala do trabalho com filmes, repete inúmeras vezes o quanto o set é também lugar de medo e desafios. “Acredite em mim: tenho medo. Sempre acho que não vou acertar, não vou chegar lá, que o diretor não vai gostar do que estou fazendo, que não entendi direito. Por outro lado, tenho tido sorte porque tenho feito coisas legais.”

Laura Cardoso tem dois filmes a serem lançados. Amazônia caruana, de Tizuka Yamazaki deve chegar às telas no segundo semestre. Para 2015, está anunciando Syndrome, com direção de Roberto Bomtempo. Para ela, que acompanhou diversos movimentos de ressurgimento do cinema brasileiro, o momento agora é de otimismo. “Acho que o cinema começou de uma forma difícil, nunca foi amparado como deveria ser. Poderia ter sido mais ajudado financeiramente. Apesar disso, evoluiu e tem filmes belíssimos”, avalia.

Por mais que ir a locadora de filmes seja um hábito cada vez mais em desuso, a atriz diz que ainda costuma visitar algumas lojas em busca de novidades. Cinéfila confessa, diz ter mais de mil filmes em casa. Mesmo com altas doses de consumo, segue na modéstia. “Não me atrevo a falar muito porque acho que cinema é uma arte difícil”, diz.

Emoção à flor da pele

Para Laura Cardoso, o teatro é o lugar do sagrado ou “do encantamento”, como prefere definir. Na biografia da atriz, lançada pela série Aplauso, da Imprensa Oficial de São Paulo, ela conta que a primeira vez em que subiu em um palco foi na quitanda do pai. “Ele era comerciante e depois que descarregava as frutas e esvaziava os caixotes, eu escolhia dois para montar um pequeno teatro para mim e para a minha avó, Maria Florentina. Ela sentava em um e eu me colocava de pé no outro para recitar poesias. Às vezes fico pensando: será que foi dali que tudo surgiu?. Eu já queria representar? Já gostava de um público?”, relata no depoimento que integra o livro.

Laura Cardoso não sabe quantas peças já representou. Mas não se esquece da emoção de cada trabalho quando se recorda de um texto em particular. Ao se lembrar de Veneza, com direção de Miguel Falabella, encenada em 2004 no Grande Teatro do Palácio das Artes, repete o texto e revisita a emoção da personagem, mesmo no meio de uma entrevista. A empolgação é a mesma para falar sobre A última sessão, espetáculo com o qual está em cartaz em São Paulo.

O texto e a direção são do também ator Odilon Wagner. Além de Laura, estão no elenco Nívea Maria, Etty Fraser, Sylvio Zilber, Sônia Guedes, Miriam Mehler, Gésio Amadeu, Gabriela Rabelo, Yunes Chami e Marlene Collé. A curiosidade é que o mais novo do elenco está perto dos 70 anos. Sim, é uma peça feita por atores maduros, sobre temas maduros e para um público majoritariamente maduro. “Estou feliz de estar fazendo esse espetáculo. Ele trata do amor e da sexualidade na maturidade. É um tema importante e você precisa ver como o público gosta e reage”, conta Laura Cardoso.

* A repórter viajou a convite do Cine PE

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