Filmografia integral de Ingmar Bergman será exibida desta sexta ao dia 12 de maio

Peça inspirada em Saraband é a novidade da maratona promovida no Cine Humberto Mauro

por Carolina Braga 27/03/2014 06:00

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Jonte Wentzell/AP
(foto: Jonte Wentzell/AP)
“Insuperável por qualquer pessoa na criação de clima e atmosfera, na capacidade de evitar o óbvio com veracidade”, escreveu o diretor Stanley Kubrick. O autor mais original do cinema europeu, o cineasta do instante e aquele que faz filmes para responder às perguntas da solidão, foi o julgamento de Jean-Luc Godard, em 1958. Para Woody Allen, ver os filmes dirigidos por ele é “como assistir poesia em movimento”. O espanhol Pedro Almodóvar assume: quando faz cenas muito fechadas é nele que se inspira. “Não significa que me compare a ele. É um mestre”, reconhece.

Falar sobre Ingmar Bergman (1918-2007) é ir direto na fonte de inspiração de pesos-pesados da cinematografia mundial. Os motivos podem ser variados e repletos de subjetividade. Mas o que é comum no encantamento gerado pelo diretor é seu talento em lidar com o drama de maneira paradoxalmente peculiar e universal. Foi o que o colocou definitivamente – e há décadas – no Olimpo, do cinema e do teatro. É isso que a apresentação integral de sua obra, a partir de amanhã, no Cine Humberto Mauro, deixará claro.

A mostra 'Ingmar Bergman – Instante e eternidade' exibe até 12 de maio 78 filmes do cineasta, em 160 sessões. Serão curtas-metragens, documentários e obras que influenciaram o diretor, assim como os clássicos 'Gritos e sussurros' (1972), 'Morangos silvestres' (1957), 'O sétimo selo' (1957), 'Cenas de um casamento' (1973) e tantas outras. Tudo com entrada franca e com qualidade de exibição, como tem se tornado tradição nas retrospectivas promovidas no Humberto Mauro.

“Bergman é o cineasta que se propõe ir mais fundo nas questões da existência humana. Fala sobre medo da morte, a solidão, a finitude, a angústia, o inferno da vida conjugal, a dificuldade da convivência com o outro. Propõe-se a fazer isso sem medo de se expor. É quase uma autoanálise em 50 filmes”, analisa Rafael Ciccarini, gerente de cinema da Fundação Clóvis Salgado. Bergman está para o drama como Hitchcock está para o suspense. É praticamente impossível transitar por um gênero ou outro sem, em algum momento, se deparar com a obra de um dos dois gênios.

Ernst Ingmar Bergman começou no teatro em 1941, com a peça 'Morte de Kasper'. Nunca mais se distanciou dos palcos. Foram mais de uma centena de espetáculos e óperas. A partir dessa origem nasceu uma relação estreita com o cinema, expressão na qual estreou em 1944. Como é impossível falar do cinema de Bergman sem abordar o teatro, diferentemente das outras mostras promovidas pelo Cine Humberto Mauro, será a primeira vez que uma montagem de artes cênicas fará parte da programação.

DESAFIO A atriz, diretora e dramaturga Grace Passô se junta ao cineasta Ricardo Alves Jr. na adaptação para os palcos do filme 'Saraband' (2003). Com Rita Clemente, Gustavo Werneck, Marina Viana e Rômulo Braga no elenco, a montagem será multimídia e será encenada nos dias 22 e 23 de abril. O público ficará acomodado em arquibancadas que serão montadas no palco do Grande Teatro, numa posição bem próxima da ação. Se Bergman levou referências explícitas do teatro para a sétima arte, o desafio proposto pela Fundação Clóvis Salgado é potencializar essa experiência. Filtrar o que de mais teatral pode haver em uma obra cinematográfica.

“No cinema, Bergman conseguiu fazer essa simbiose sem teatralizar a cena. Trouxe essa relação intensa com o ator para a tela, entendendo o específico cinematográfico”, explica Ciccarini. Vem daí o fato de ele ser conhecido por planos próximos, com o detalhe do rosto de seus protagonistas. Woody Allen já disse que ele poderia tentar reproduzir uma cena de Bergman. Os mesmos planos, a mesma luz e até a mesma atriz. Ainda assim, não conseguiria resultado com a mesma força. “Existe uma relação dele com a câmera, com o outro ator, alguma troca que ele constrói, que cria uma intensidade, uma força. É o cineasta que vai tentar encontrar aquele instante especial que, paradoxalmente, vai se tornar eterno”, completa Rafael Ciccarini, também responsável pela curadoria da mostra.

Para ele, existem pelo menos dois aspectos pouco abordados sobre o cinema bergmaniano. Um é a capacidade que ele teve de inventar linguagens. Em 'Mônica e o desejo' (1953), por exemplo, há um momento em que a protagonista lança um olhar de cumplicidade. “Esse ato moderno de olhar para o espectador era incomum nos anos 1950”, diz Ciccarini. Outro aspecto singular é o quanto o cineasta tematiza o lugar na arte no mundo.

Apesar de ser reconhecido por muitas vezes destacar o que há de miserável na condição humana, Bergman também deixou claro o quanto considera a arte como compensação para a dor. Em 'O sétimo selo', enquanto o personagem busca sentido para a vida antes de morrer, os artistas resistem fazendo teatro. Em 1964, em entrevista à revista 'Playboy', o próprio Ingmar Bergman reconheceu o quanto a arte também foi sobrevivência para ele. "Não quero fazer filmes intelectualizados somente. Quero que as pessoas sintam meus filmes. Para mim, sentir é muito mais importante do que entender", declarou.


PROGRAMAÇÃO
ATÉ DOMINGO


Sexta-feira
15h: Crise (1946); 17h: Saraband (2003); 19h: abertura oficial da mostra e exibição de Liv & Ingmar – Uma história de amor, de Dheeraj Akolkar (2012); 21h30: Tormento, de Alf Sjöberg (1944)

Sábado
14h: Chove sobre o nosso amor (1946); 16h: Os criadores de imagens (2000); 18h: Morangos silvestres (1957); 20h: A carruagem fantasma, de Victor Sjöström (1921)

Domingo
14h30: Bergman na publicidade: comerciais (1951-1953); O rosto de Karin (1984); No set de filmagens (2008); Filmando Morangos silvestres (1957); Harald & Harald (1996); Baile das ingratas (1976); Stimulantia (1967); 16h15: Um barco para a Índia (1947); 18h15: Persona (1966); 20h: Na presença de um palhaço (1997)


Ingmar Bergman – instante e eternidade
De 28 de abril a 12 de maio. Cine Humberto Mauro. Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7378. Gratuito, com distribuição de senhas 30 minutos antes das sessões. Informações e programação completa: www.palaciodasartes.com.br



MARCA DE BERGMAN

WOODY ALLEN

Três obras da filmografia do nova-iorquino são tentativas explícitas de fazer algo parecido com Bergman: 'Setembro' (1987), 'Interiores' (1978) e 'A outra' (1988). O caso de 'Interiores' é curioso, pela semelhança do enredo com 'Sonata de outono', rodado no mesmo ano por Bergman. Em ambos, a trama gira em torno de mães em relações conflituosas com suas filhas. Há outra homenagem explícita em 'Noivo neurótico, noiva nervosa' (1977): em uma das cenas, os protagonistas esperam na fila
para entrar em uma sessão de 'Face a face'. 'Desconstruindo Harry', por sua vez, é homenagem a 'Morangos silvestres'.

PEDRO ALMODÓVAR
Para Rafael Ciccarini, a constante luta entre a moral e o desejo, presente tanto no cinema de Bergman como no de Pedro Almodóvar, aproxima a obra dos cineastas. Nas referências explícitas, em 'De salto alto' o espanhol praticamente reproduz um diálogo de 'Sonata de outono'. “Existe uma aproximação temática, mas uma distância cultural gigantesca. Enquanto na Suécia se interiorizam os dramas, na Espanha eles são exteriorizados”, comenta Rafael.

DAVID LYNCH
A maior referência presente na obra de David Lynch está no clima de pesadelo também explorado por Bergman em filmes como 'A hora do lobo' (1968). Com personagens fantasmagóricos, o longa é apontado como uma das inspirações para 'Eraserhead' (1977). “Essa estética do sonho e do pesadelo está no DNA do Lynch”, identifica Rafael Ciccarini.

WALTER HUGO KHOURI

Chegou a ser chamado de “Bergman brasileiro”. Seu cinema também é marcado por mergulhos existenciais dos personagens. Em 'Noite vazia' (1964), por exemplo, de uma noitada em clima de festa a trama se torna um desabafo coletivo. Vai ficando parecido com um filme bergmaniano, com os personagens visitando os próprios fantasmas.

NÓRDICOS

O modo como os diretores dinamarqueses Lars von Trier e Thomas Vinterberg contam suas histórias também dialoga com o estilo e as temáticas de Ingmar Bergman. As angústicas do ser humano, a introspecção e a morte são questões frequentemente encontradas em tramas, como a que Vinterberg narra em 'Festa de família' (1998) ou 'A caça' (2012), assim como em 'Melancholia' (2011) e 'Dogville' (2003), de Von Trier.

OBRAS COMPLETAS
As mostras integrais de cineastas se tornaram tradição do Cine Humberto Mauro. Desde março de 2012, são realizadas duas por ano. A primeira, dedicada a Luís Buñuel, atraiu 8,5 mil espectadores. A recordista de público foi a retrospectiva de Alfred Hitchcock, em cartaz entre julho e setembro do ano passado, com quase 18 mil espectadores. A mostra de Charles Chaplin atraiu 11 mil e o público que foi ver os filmes de Howard Hawks chegou a 7,6 mil pessoas.

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