Berlim – Últimos dias de festivais de cinema costumam despertar apostas, boatos e burburinhos. Não está diferente nesta 64ª Berlinale. Na mídia alemã e internacional, o principal rumor é a saída de Dieter Kosslick, diretor-geral e responsável pela curadoria do festival até 2016. O motivo seria um questionamento da qualidade da seleção da mostra competitiva, que viria apresentando filmes irregulares, sem linha curatorial clara quando contrastada com outros festivais europeus. De fato, a competição está eclética englobando thrillers, dramas com crianças, melodramas, reconstruções de época, e, nesse cenário, os consensos não são tão frequentes.
Praia do Futuro, de Karim Aïnouz, obteve recepções contraditórias e esquivas a qualquer unanimidade, seja apaixonada ou depreciativa. Revistas internacionais como Variety e The Hollywood Reporter salientaram a elegância da narrativa visual do cineasta brasileiro, mas criticaram os diálogos fracos e inconsistentes. Na seção Berlinale Special, Karim Aïnouz também lançou um curta em 3D, que faz parte da produção Cathedrals of culture, coordenada por Wim Wenders. A Filarmônica de Berlim, a Biblioteca Nacional da Rússia, uma prisão-modelo e uma casa de ópera na Noruega, o Salk Institute de San Diego e o Beaubourg de Paris compõem os seis filmes e documentários. É entre essas famosas construções arquitetônicas que Wenders busca, por meio do 3D, revelar a “alma” dos espaços ali criados.
Os roteiros ressaltam um ponto de vista pessoal e íntimo dos lugares construídos e frequentados. Pela perspectiva tridimensional instala-se um jogo de imersão mais contemplativo, característica rara à maioria das obras 3D. Ao filmar o Beaubourg, Aïnouz joga com os aspectos tridimensionais dos néons verdes e vermelhos do museu francês, mostra a montagem de uma obra de Ernesto Neto e salienta as engenharias mecânicas de produção cultural vindas da arquitetura de Renzo Piano e Richard Rogers.
O Forum, segmento mais alternativo da Berlinale, também abrigou experimentos em 3D. Radical e fascinante, o filme The guests, de Ken Jacobs, resgata uma filmagem dos irmãos Lumiéres, que registra a chegada dos convidados ao casamento da irmã deles. Ao partir desse material, histórico e bidimensional, Jacobs insere uma câmera lentíssima que, juntamente com a técnica 3D, cria uma perspectiva visual e espacial por meio de lapsos temporais internos ao quadro. Os poucos segundos dos irmãos Lumiéres transformam-se em uma hora de um filme ímpar, no qual convida-se a experimentar inusitadas formas de perspectiva, fenômeno esse que, para Jacobs, aconteceria apenas na mente do espectador.
Conversas com Chomsky
Juntamente com os atores Christoph Waltz e Tony Leung, o diretor francês Michel Gondry faz parte do júri oficial da competição desta Berlinale. O autor de Brilho eterno de uma mente sem lembranças (2004) conversou com o Estado de Minas sobre seu novo filme, Is the man who is tall happy?, que está na seção Panorama do festival. O longa apresenta diálogos com o linguista Noam Chomsky, mais conhecido como crítico da política externa norte-americana, enfatizando seu trabalho científico e suas teorias sobre o processo cognitivo. Gondry utilizou uma narrativa em primeira pessoa e, durante a entrevista, confessou que é obcecado pela complexa obra de Chomsky, assim como por revistas científicas que investigam o cérebro.
“Na minha narrativa em primeira pessoa me representei como uma pessoa ingênua, que tinha dificuldade de compreender as sofisticadas teorias de Chomsky. É uma estratégia para me aproximar do espectador”, disse. Feito com uma animação mais tradicional e mesclado com filmagens em super 8mm, Is the man who is tall happy? faz um contraponto ilustrativo e lúdico às formulações do cientista americano e valoriza os caminhos tortuosos da mente humana e as errâncias do processo cognitivo.
Ficção e sexo
Dois diretores mais renomados aproveitaram a Berlinale para apresentar o corte autoral das suas últimas obras. É o caso do aguardado Snowpiercer, de Bong joon-ho, que foi apresentado também no Forum na versão integral. Baseado numa história em quadrinhos homônima, de Jean-Marc Rochette, essa ficção científica pós-apocalíptica retrata os últimos sobreviventes de um catastrófico congelamento do mundo. Eles estão dentro do Snowpiercer, que é um trem que não para nunca, em fluxo contínuo, pois precisa desse ritmo intenso para suportar as baixas temperaturas. Há, dentro do trem, uma divisão por castas, privilégios e desigualdades. Com notórias interpretações de Chris Evans e Song Kang-ho, o filme mostra as consequências de uma sangrenta revolução que ocorre entre os passageiros e os vagões.
O segundo diretor é Lars von Trier, que voltou a pisar no tapete vermelho de Berlim para mostrar a versão “sem cortes” de Ninfomaníaca, com cerca de 30 minutos a mais do que a lançada mundialmente. Trata-se de mais uma estratégia comercial do filme. A equipe de Lars von Trier aproveitou o clima de burburinhos e apostas dessa reta final da Berlinale para obter mais divulgação da versão sem cortes e do segundo volume de Ninfomaníaca, que está em fase de pré-lançamento na Europa e no Brasil.