Rumor sobre saída de curador marca fim da Berlinale 2014

Praia do Futuro, de Karin Aïnouz, não conquistou unanimidade, mas está no páreo

por Pablo Gonçalo 15/02/2014 00:13

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Fotos: Berlinale/Divulgação
In order of disappearance, do diretor norueguês Hans Petter Moland: jornada em busca do pai (foto: Fotos: Berlinale/Divulgação)
 

Berlim – Últimos dias de festivais de cinema costumam despertar apostas, boatos e burburinhos. Não está diferente nesta 64ª Berlinale. Na mídia alemã e internacional, o principal rumor é a saída de Dieter Kosslick, diretor-geral e responsável pela curadoria do festival até 2016. O motivo seria um questionamento da qualidade da seleção da mostra competitiva, que viria apresentando filmes irregulares, sem linha curatorial clara quando contrastada com outros festivais europeus. De fato, a competição está eclética englobando thrillers, dramas com crianças, melodramas, reconstruções de época, e, nesse cenário, os consensos não são tão frequentes.

No rol das apostas ainda é The Grand Budapest Hotel, de Wes Anderson, que, até agora, gerou mais entusiasmo, junto com 71, de Yann Demange, produção britânica que conta a história de um soldado inglês ingênuo durante os conflitos entre católicos e protestantes na Irlanda de 1971. In order of disappearance, do norueguês Hans Petter Moland, também vem obtendo destaque ao narrar a busca de um pai para descobrir o motivo real da morte do filho. Ontem foi a premiére internacional de Boyhood, de Richard Linklater. O filme é uma crônica da vida de Mason (Ellar Coltrane), mostrando sua infância e adolescência. Filmado entre 2004 e 2013, Linklater consegue manter uma sutil coerência observando uma década ficcional na vida de uma família no Texas. O filme foi muito bem recebido. No campo das atuações, um dos poucos comentários recorrentes é a delicada interpretação de Jennifer Connelly em Aloft, primeira produção internacional da peruana Claudia Llosa, além da empolgação com os trejeitos cômicos de Ralph Fiennes, no papel de M. Gustave, na comédia de Wes Anderson.

Praia do Futuro, de Karim Aïnouz, obteve recepções contraditórias e esquivas a qualquer unanimidade, seja apaixonada ou depreciativa. Revistas internacionais como Variety e The Hollywood Reporter salientaram a elegância da narrativa visual do cineasta brasileiro, mas criticaram os diálogos fracos e inconsistentes. Na seção Berlinale Special, Karim Aïnouz também lançou um curta em 3D, que faz parte da produção Cathedrals of culture, coordenada por Wim Wenders. A Filarmônica de Berlim, a Biblioteca Nacional da Rússia, uma prisão-modelo e uma casa de ópera na Noruega, o Salk Institute de San Diego e o Beaubourg de Paris compõem os seis filmes e documentários. É entre essas famosas construções arquitetônicas que Wenders busca, por meio do 3D, revelar a “alma” dos espaços ali criados.

Os roteiros ressaltam um ponto de vista pessoal e íntimo dos lugares construídos e frequentados. Pela perspectiva tridimensional instala-se um jogo de imersão mais contemplativo, característica rara à maioria das obras 3D. Ao filmar o Beaubourg, Aïnouz joga com os aspectos tridimensionais dos néons verdes e vermelhos do museu francês, mostra a montagem de uma obra de Ernesto Neto e salienta as engenharias mecânicas de produção cultural vindas da arquitetura de Renzo Piano e Richard Rogers.

O Forum, segmento mais alternativo da Berlinale, também abrigou experimentos em 3D. Radical e fascinante, o filme The guests, de Ken Jacobs, resgata uma filmagem dos irmãos Lumiéres, que registra a chegada dos convidados ao casamento da irmã deles. Ao partir desse material, histórico e bidimensional, Jacobs insere uma câmera lentíssima que, juntamente com a técnica 3D, cria uma perspectiva visual e espacial por meio de lapsos temporais internos ao quadro. Os poucos segundos dos irmãos Lumiéres transformam-se em uma hora de um filme ímpar, no qual convida-se a experimentar inusitadas formas de perspectiva, fenômeno esse que, para Jacobs, aconteceria apenas na mente do espectador.

Conversas com Chomsky

Juntamente com os atores Christoph Waltz e Tony Leung, o diretor francês Michel Gondry faz parte do júri oficial da competição desta Berlinale. O autor de Brilho eterno de uma mente sem lembranças (2004) conversou com o Estado de Minas sobre seu novo filme, Is the man who is tall happy?, que está na seção Panorama do festival. O longa apresenta diálogos com o linguista Noam Chomsky, mais conhecido como crítico da política externa norte-americana, enfatizando seu trabalho científico e suas teorias sobre o processo cognitivo. Gondry utilizou uma narrativa em primeira pessoa e, durante a entrevista, confessou que é obcecado pela complexa obra de Chomsky, assim como por revistas científicas que investigam o cérebro.

“Na minha narrativa em primeira pessoa me representei como uma pessoa ingênua, que tinha dificuldade de compreender as sofisticadas teorias de Chomsky. É uma estratégia para me aproximar do espectador”, disse. Feito com uma animação mais tradicional e mesclado com filmagens em super 8mm, Is the man who is tall happy? faz um contraponto ilustrativo e lúdico às formulações do cientista americano e valoriza os caminhos tortuosos da mente humana e as errâncias do processo cognitivo.

Ficção e sexo


Dois diretores mais renomados aproveitaram a Berlinale para apresentar o corte autoral das suas últimas obras. É o caso do aguardado Snowpiercer, de Bong joon-ho, que foi apresentado também no Forum na versão integral. Baseado numa história em quadrinhos homônima, de Jean-Marc Rochette, essa ficção científica pós-apocalíptica retrata os últimos sobreviventes de um catastrófico congelamento do mundo. Eles estão dentro do Snowpiercer, que é um trem que não para nunca, em fluxo contínuo, pois precisa desse ritmo intenso para suportar as baixas temperaturas. Há, dentro do trem, uma divisão por castas, privilégios e desigualdades. Com notórias interpretações de Chris Evans e Song Kang-ho, o filme mostra as consequências de uma sangrenta revolução que ocorre entre os passageiros e os vagões.

O segundo diretor é Lars von Trier, que voltou a pisar no tapete vermelho de Berlim para mostrar a versão “sem cortes” de Ninfomaníaca, com cerca de 30 minutos a mais do que a lançada mundialmente. Trata-se de mais uma estratégia comercial do filme. A equipe de Lars von Trier aproveitou o clima de burburinhos e apostas dessa reta final da Berlinale para obter mais divulgação da versão sem cortes e do segundo volume de Ninfomaníaca, que está em fase de pré-lançamento na Europa e no Brasil.

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