Militantes do cinema marginal defendem mais inteligência nas telas

Para os diretores Andrea Tonacci e Luiz Rosemberg Filho filmes ainda têm a missão de reinventar o mundo

por Carolina Braga 01/02/2014 00:13

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
Túlio Santos/EM/D.A Press
Luiz Rosemberg Filho e Andrea Tonacci: 40 anos de dedicação ao cinema de invenção e à experimentação de linguagens (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press )

Tiradentes – “Está bonito, com cabelão e bigode”, diz o cineasta Andrea Tonacci ao amigo Luiz Rosemberg Filho. O diretor carioca retribui com um sorriso e muito afeto – afinal, lá se vão 40 anos de camaradagem e infinitos papos sobre o ofício. Representante da geração do cinema de invenção – conhecida também como produção marginal –, a dupla fará dobradinha hoje, no encerramento da mostra de Tiradentes. A escolha é apropriada para um evento que se propõe a ser vitrine das investigações audiovisuais, destacando a produção autoral de jovens criadores.

Vem dos veteranos uma lição de humildade. Enquanto alguns novos cineastas exibem ares de “todo-poderosos” em Tiradentes, Rosemberg, de 70 anos, e Tonacci, de 69, avisam: não há glamour neste ofício. Ambos se mostram descrentes e até revoltados com o que se vê nas salas comerciais do país.

“Não se faz cinema hoje, mas produto de mercado, objeto. Cinema é atenção ao imaginário, é descoberta, uma forma de conhecer o mundo – não uma forma de dizer como ele é”, defende Tonacci. O polêmico Rosemberg se mostra mais enfático. “Hoje, o pensamento não tem a menor importância. Basta ver os filmes de sucesso, eles são imposições. Minha geração achava que mudaria o mundo com cinema e já está morrendo. A coisa só piorou”, radicaliza Rô, como é chamado pelos amigos.

Com 56 filmes no currículo, Luiz Rosemberg Filho já passou por telas dos festivais de Berlim e de Cannes. Assinou Crônicas de um industrial (1978) e Assuntina das Américas (1976), entre outros trabalhos. Absolutamente descrente da influência de festivais sobre a carreira de longas, médias e curtas, o diretor analisa com frieza o papel de eventos dessa natureza. Para ele, Tiradentes ou Toronto – é tudo igual.

 “A função do festival é incorporar uma política de transformação sobre o que é fazer cinema no Brasil. Você vem, mostra o filme, mas depois ele não passa em lugar algum. É como se amputassem a sua perna e lhe dessem muleta”, critica. Linguagem, curta de Rosemberg que será exibido no Cine Tenda esta noite, é assumidamente uma provocação. A peça de divulgação traz colagem com a frase “você quer fazer cinema?”. Logo acima vê-se a imagem de um morto.

Para Rosemberg, a linguagem é – e sempre será – questão fundamental. Talvez falte à nova geração de criadores aprender essa outra lição. “Ela está relacionada com o que você não domina. É como o afeto. O filme tem duas vertentes: começa com a potencialização dos afetos e termina na guerra”, analisa. O veterano deixa claro: sim, há experimentação, mas também pensamento e consistência no discurso.

Andrea Tonacci mostrará um filme que, de certa forma, aborda afeto e memória. Já visto jamais visto traz apenas imagens guardadas por ele, rodadas há 40, 30 e 20 anos. “Ele foi montado agora, mas pertence à fase de quando eu era nova geração”, brinca o criador dos consagrados Bang bang (1970) e Serras da desordem (2006). “Tentei fazer uma ficção desse passado, mas atual. É muito pessoal, com meu filho, meu pai e ex-mulheres. São pequenas representações do dia a dia”, resume.

OUÇA

A íntegra da entrevista de Andrea Tonacci e Luiz Rosemberg Filho



Rilke

Para Tonacci, mais que cinema de invenção, as obras que marcaram sua geração surgiram de intuição, espontaneidade, afetividade e do encontro. Avesso a festivais, Rosemberg deixa escapar o desejo de exibir um de seus novos trabalhos em Tiradentes no ano que vem. Cartas a uma jovem cineasta, em vias de ser montado, inspira-se no clássico Cartas a um jovem poeta, do escritor Rainer Maria Rilke. Deles vem outra lição: a obra de arte só é importante se ela for fundamental para você.

Convidado a encerrar a mostra mineira, famosa como paraíso dos novos realizadores, qual seria a mensagem dele para os jovens colegas? “A melhor resposta é o silêncio. No cinema novo, todo mundo queria linguagem, expressão, poesia, rompimentos e avanços, mas acabou virando isto que está aí: a Rede Globo mandando no país, um processo industrial podre. Não sou contra o cinema comercial, mas o que entendo como cinema comercial é a obra-prima Macunaíma, de Joaquim Pedro. Na verdade, houve prostituição tanto da observação e da análise do país quanto da linguagem cinematográfica. Montaram uma zona.” Esse é o Rosemberg.


ROSEMBERG POR TONACCI
“Antes de tudo, o Rô é um professor. Ganhei dele o que tenho de literatura sobre cinema e, às vezes, literatura essencial. Filmes também. Se há alguém com quem eu faria uma analogia, é com o Walter Benjamin. Com eles aprendo mais”.

 
TONACCI POR ROSEMBERG
“Tonacci é um homem que acredita. Ele crê que o Brasil tem jeito. Isso é legal. Nesse ponto, é mais marxista do que eu, pois acredita que o homem ainda pode ser dono da sua história. Não é demagogia. É um ato de fé. Ele está para o cinema brasileiro como o Rosselini está para o italiano”.


Mostra de Tiradentes
» HOJE
CINE TEATRO SESI
10h – Debate: Branco sai preto fica
11h15 – Debate: Aliança
12h30 – Debate: O homem das multidões
18h – Sessão de curtas

CINE TENDA
10h30 – Sessão de curtas mostrinha
15h – Sessão de curtas
17h – O rio nos pertence
18h30 – O uivo da gaita
20h30 – Sessão de curtas
22h30 – Cerimônia de encerramento

CINE BNDES NA PRAÇA
13h – Show de Érika Machado e Fernanda Takai

CINE BAR SHOW
0h30 – Show de Túlio Mourão

Saiba mais
Cinema marginal

O cinema marginal, ou cinema de invenção, surgiu nos anos 1970. Vindos da geração posterior à do cinema novo, diretores defendiam filmes sem concessões. Entre seus representantes estão Rogério Sganzerla (O bandido da luz vermelha e A mulher de todos), Julio Bressane (Matou a família e foi ao cinema, foto), João Silvério Trevisan (Orgia), Geraldo Veloso (Perdidos e malditos) e Ozualdo Candeias (A margem e A herança). Esses autores buscaram subverter a linguagem cinematográfica.

MAIS SOBRE CINEMA