Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, estreia nesta sexta 'Azul é a cor mais quente'

Filme conta a história de Adèle, garota que descobre sua bissexualidade

por Walter Sebastião 06/12/2013 06:00
Imovision/Divulgação
(foto: Imovision/Divulgação)
'Azul é a cor mais quente' ('La vie de Adéle, chapitres 1 e 2') traz obra de premiado ator franco-tunisiano: Abdellatif Kechiche, de 52 anos. Conta a história de Adèle (Adèle Exarchopoulos), garota cujo primeiro amor é Emma (Léa Seydoux). E que, por meio desse relacionamento, descobre a bissexualidade. O filme, ao modo dos romances de formação, observa, minuciosamente, a transformação de uma adolescente em mulher, com olhar curioso, ótimos diálogos, pontuações dramáticas e situações divertidas. O contexto é a França multicultural e dos mais jovens (das manifestações de rua, da procura por emprego e do gosto por música, literatura e arte). Atração à parte é a beleza e a ótima interpretação das duas protagonistas.



Já bem no início do filme, durante aula de literatura, Adéle lê trecho de um romance do século 18, de Marivaux, que, entre outras coisas, diz: “Eu sou uma mulher contando a minha história sem os privilégios que isso me dá”. O que não deixa de ser uma espécie de “epígrafe” do que vai se ver ao longo das três horas seguintes. A duração do filme pode soar excessiva, mas flui bem, além de ser essencial para o que ele traz de especialmente expressivo: vê-se a transformação de Adèle na face dela. Tudo, do contexto da história à relação com outros personagens, é percebido por meio de dezenas de closes de Adèle. Estrutura visual narrativa que constrói um face a face com a personagem, revelando turbilhão de sentimentos, de calculada dissimulação a carência sexual, passando pela tendência à manipulação.

As dubiedades de Adéle têm fundamento filosófico: o existencialismo de Jean- Paul Sartre (1905-1980), citado pela personagem, e argumento de que a existência precede a essência. O que, nas palavras do filósofo, significa: “Que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer”. Quem não é afeito a discussões filosóficas, pode se divertir com tema mais prosaico, saboroso (e misterioso), que, involuntariamente, cruza o filme: o que nos faz sentir atração por alguém e até gostar dele? Por que, às vezes, dizemos sim e, em outros momentos, não? E o que está em jogo nessas questões é mais do que romantismo.

São os méritos de 'Azul é a cor mais quente' que fazem surgir entrelinhas, dissimuladas, discutíveis. A primeira delas é o estímulo a um certo vouyerismo perverso do espectador. Que aparece não em ousadas cenas de sexo, praticamente explícitas, mas em momentos em que tal tom não é parte da estrutura dramatúrgica. E o filme fica artificial, deixa a sensação de ceder ao sensacionalismo fácil como artifício para torná-lo mais “comercial”. O mesmo se pode dizer de certo olhar que, apesar de elegante e simpático, julga (fingindo não julgar) a personagem e o mundo em que ela circula (observado com tradicionalismo digno de nota, como “convencional” ou “transgressor”). O que simplifica o que é complexo, reduz a expressividade do filme, mas que, também, é preciso reconhecer, coloca tais questões em debate.


SAIBA MAIS
O DIRETOR

 

'Azul é a cor mais quente' é adaptação de história em quadrinhos, com o mesmo título, de Júlie Maroh. O filme ganhou a Palma de Ouro deste ano em Cannes. Abdellatif Kechiche é ator, roteirista e premiado diretor franco-tunisiano, de 52 anos. Radicado na França desde os 6 anos, é admirador de Pier Paolo Pasolini, de Yasujirô Ozu e de Claude Sautet. Em entrevista, falando do último diretor, ele disse que segue a tradição de abordar questões sociais, falar do indivíduo, do grupo e das dificuldades da vida. O segredo do grão (2007) foi lançado no Festival de Veneza, sendo agraciado com o prêmio especial do júri e também com o César de melhor filme e melhor diretor.

Assista ao trailer do filme:


MAIS SOBRE CINEMA