Fatos históricos ganham foco na tela com as estreias de cinema de 2013

Longas como 'Lincoln', 'Django Livre' e 'A hora mais escura' abordam o passado sob diferentes perspectivas

por Ana Clara Brant 12/02/2013 12:30

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Columbia / Divulgação
'A hora mais escura' aborda ética, tortura e terrorismo na caçada a Osama Bin Laden depois do 11 de Setembro (foto: Columbia / Divulgação)
Uma novela e um filme têm a função de entreter o público, mas podem também ensinar, unir o útil ao agradável. Não é de hoje que produções da TV e do cinema se apropriam de fatos como pano de fundo para suas tramas. A safra atual dos indicados ao Oscar é exemplo disso. Argo trata da revolução iraniana, em 1979. A hora mais escura, de Kathryn Bigelow, traz a caçada ao terrorista Osama bin Laden empreendida pelos norte-americanos. Lincoln é a cinebiografia de Abraham Lincoln, o presidente que liderou os Estados Unidos na Guerra de Secessão e libertou os escravos. Django livre aborda a escravidão nos EUA. Na TV brasileira, Lado a lado, novela das seis da Rede Globo, se passa no Rio de Janeiro dos anos 1900, retratando o surgimento do samba e das favelas.


Autora de vários livros de história do Brasil, a pesquisadora Mary del Priore lembra que a parceria da diversão com o passado não é novidade. Prática recorrente na Europa, principalmente no século 19, essa aliança deu origem a obras que abordavam de maneira interessante a vida de reis e rainhas, além das aventuras da nobreza. Autor de Os três mosqueteiros e O conde de Monte Cristo, o escritor francês Alexandre Dumas, por exemplo, tornou-se um mestre do gênero.


“A difusão da história para o grande público chega ao Brasil com certo atraso. Isso ocorreu muito devido aos jornalistas, que passaram a lançar livros e a transformar fatos históricos em algo palatável, tangível. A grande indústria está se apropriando de uma ideia do século 19 porque as pessoas gostam de ver, mesmo que de maneira clichê e romantizada, personagens que realmente existiram e mudaram o mundo. Acho absolutamente fundamental a história e a diversão se darem as mãos”, defende Mary.


Outra especialista que aprova esse casamento é Lucilia Neves Delgado. Ela chama a atenção para a importância de isso se dar hoje em dia, quando tudo é volátil e se perde facilmente. “Todos esses registros ajudam a criar a nossa identidade social. Vivemos num tempo em que é grande a possibilidade de esquecimento devido à rapidez e à quantidade de informações. Tornou-se importante resgatar o passado, seja por meio de novelas ou de filmes, para que a gente se sinta bem situado no mundo como ser humano”, destaca.


Professora do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), Lucilia Neves usa filmes em sala de aula e acredita que o cinema cumpre importante papel educativo. Portanto, ressalta, é interessante esse tipo de produção se tornar cada vez mais acessível aos jovens. “Como as pessoas estão se formando cada vez mais cedo e a formação é menos letrada e mais imagética, o cinema pode contribuir para a construção da identidade social e histórica dos adolescentes. É um recurso que os atrai”, analisa.


Oscar O professor e crítico de cinema Rafael Ciccarini não se importa com a total fidelidade aos fatos em filmes históricos, até porque nem os próprios livros retratam exatamente o que ocorreu. “O importante é oferecer uma compreensão interessante do que realmente aconteceu, além do cuidado com o espírito da época, do comportamento e do modo de vida. Não adianta um gladiador do Império Romano agir como se vivesse hoje. Mas também não importa ficar preso a detalhes, como o caso daquele tigre na tela não ser comum na região onde a trama se passou”, comenta.


Ciccarini aprova produções que contam de maneira diferente os fatos históricos. Cita o exemplo do longa Maria Antonieta, de Sofia Coppola: a diretora promove um jogo inusitado entre passado e presente. “Falta um pouco disso no cinema brasileiro, que, muitas vezes, é oficialesco demais. São necessárias abordagens mais criativas, porque praticamente se reproduzem os livros de história. O cinema se permite realçar nuances, as contradições”, aponta.


Um dos fortes candidatos a melhor filme no Oscar 2013, que aborda a história de forma diferenciada, é Django livre, do diretor Quentin Tarantino. Tendo como pano de fundo a América escravocrata, o longa traz personagens e situações fictícias. “É aquela coisa do Tarantino: você não espera uma reconstituição certinha. Assim como em Bastardos inglórios, quando ele mata o Hitler dentro de uma sala de cinema. Trata-se de um universo fantasioso. Mesmo você não tendo confiança na veracidade das coisas, ainda assim o filme traz questões importantes e históricas, como o racismo, os maus-tratos infligidos aos negros. Ele não inventou aquilo, apesar de haver certo exagero”, afirma o jornalista e crítico Renato Silveira.


Lincoln, por sua vez, assemelha-se a uma aula de história e é contado de maneira correta, diz Silveira. “Tudo é muito certinho: o figurino, o cenário, a reconstrução do período”, pontua. A historiadora Lucilia Neves Delgado gostou do que viu, mas ressalta que essa produção de Steven Spielberg não é fácil de digerir. Apesar de se passar no século 19, o longa traz à tona discussões contemporâneas, como humanismo, ética, tolerância e diversidade, lembra ela.


“Não vejo Lincoln como um longa-metragem predominantemente de entretenimento. Spielberg não faz concessões para torná-lo mais leve. É um filme denso, escuro em todos os aspectos, em que a palavra tem enorme importância. Como historiadora, gostei demais. Ele retratou muito bem o momento que pretendia abordar”, conclui Lucilia Delgado.



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