Filmes exibidos em Tiradentes rompem fronteiras entre gêneros cinematográficos

Classificado como documentário, Jards é definido como 'Censaio poético-musical' pelo diretor Eryk Rocha

por Carolina Braga 26/01/2013 07:00

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De um lado, o jovem cineasta inquieto. Do outro, o músico veterano aberto a novas ideias. Do equilíbrio desse encontro nasceu Jards, exibido na Mostra de Cinema de Tiradentes. Aliás, equilíbrio seria uma boa palavra para definir o documentário dirigido por Eryk Rocha, apresentado pelo próprio autor como viagem psicodélica conduzida pelo processo criativo de Jards Macalé. O que se viu foi uma dose reforçada de radicalismo.

Com lançamento comercial previsto para março ou abril, Jards não é mais um filme a reforçar a safra de documentários musicais, que viraram moda ultimamente. O diretor até se diz admirador do gênero, mas mandou outra coisa para as telas.
Leo Lara/Universo Produções/divulgação
O cantor e compositor Jards Macalé diz que Eryk Rocha, além de cineasta, é poeta da invenção. A dupla participou da Mostra de Tiradentes (foto: Leo Lara/Universo Produções/divulgação)

“Eryk é cineasta e também um poeta da invenção. Quando percebi, ele arriscou. Gosto do risco. Caímos no precipício juntos, numa boa”, garante o cantor e compositor Jards Macalé. “Não me interessei por fazer cinebiografia tradicional. Queria criar um território de encontro entre cinema e música, em que surgisse outra poética a partir desse amálgama”, explica Eryk Rocha.

Teoricamente, Jards é documentário. Na prática, assiste-se a um filme inclassificável. “Gosto de dizer: ele é um ensaio poético-musical”, reforça Eryk. Ao longo de 93 minutos, os depoimentos – tão comuns em cinebiografias – dão lugar à introspecção do personagem e ao tempo da criação. A MPB, claro, é também protagonista dessa história.

A cadência está na relação entre duas artes: música e cinema. Cabe às canções narrar o “biografado”. “O filme é o resultado do Eryk me olhando através da câmera. Fiz isso de forma quase jazzisticamente consciente”, brinca Jards Macalé. A produção nasceu de um convite do compositor ao filho do diretor Glauber Rocha, ícone do Cinema Novo. Eryk entendeu a oportunidade de registrar a gravação do disco como uma espécie de provocação. Afinal, há muito tempo esperava a chance de explorar o universo musical.

À medida que ideias surgiam, delineavam-se escolhas minimalistas. Eryk sempre soube o que queria, restava testar se daria certo. Em vez de numerosa equipe, optou por trabalhar com cinco pessoas. A imersão no estúdio durou duas semanas e os retoques poéticos surgiram na montagem.

“O filme nasce da intimidade entre o cinema e a música. É quase uma simbiose espacial: naquele pequeno espaço, a câmera se converte em instrumento”, conta o diretor. Jards só pôde ser feito desse modo porque o músico embarcou sem medo nas ideias do cineasta. “Ele me deu carta branca. Desde o princípio, Macalé se incorporou ao fluxo do filme com grande cumplicidade. Houve diálogo na criação das imagens”, confirma Eryk Rocha.

O cineasta quis se distanciar da ideia de fazer uma obra sobre Jards Macalé. Preferiu “atravessar” o processo de criação do músico. “Estivemos no transe e, ao mesmo tempo, na introspecção e na solidão dele. Registramos a coexistência desses estados do artista. Meu trabalho está nesse trânsito, na confluência de gêneros e poéticas”, explica Eryk Rocha.

Jards deu a Eryk Rocha o prêmio de melhor diretor na última edição do Festival do Rio. Curiosamente, apesar de o filme ser classificado como documentário, foi premiado na categoria que inclui obras de ficção. Na interpretação dos jurados, este longa está no limiar (ou no encontro?) dessas duas formas tradicionais de fazer cinema. “Achei essa interpretação interessante, porque ela transcende gêneros. Estamos propondo uma linguagem viva, que não se classifica. Sempre tive dificuldade em classificar o que faço”, comenta o diretor.

Durante a mostra de Tiradentes, que será encerrada hoje, ficou claro: tal dúvida não é só de Eryk Rocha. Trata-se de uma característica da nova geração de cineastas. “Estamos plantando sementes. De alguma forma, esses filmes têm ajudado a oxigenar o cinema brasileiro, dando a ele um sopro de vida e invenção”, conclui Rocha.

GÊNEROS HÍBRIDOS

Para o curador da Mostra de Cinema de Tiradentes, o crítico e professor Cleber Eduardo, falar em gênero cinematográfico é algo difícil. “Inclusive, há a reivindicação para que a gente simplesmente acabe com a categoria ficção documentário experimental. Há certo encaminhamento para fronteiras, hibridismos e rupturas”, afirma.

Cleber Eduardo cita casos extremos como o do diretor mineiro Cao Guimarães, que assume a ideia de “inclassificabilidade”. Apresentado em Tiradentes, seu novo longa, Otto, é “tachado” como documentário, mas se aproxima de um filme-ensaio. “A classificação mais interessante seria pensar: esse filme é narrativo? Tem narrativa mais linear? É mais visual? Trabalha em uma dinâmica de contemplação de interferências? Esse caminho é mais próximo do estilo de cinema que de gênero”, diz o diretor paraibano Taciano Valério.

Marca desta edição da mostra mineira, o chamado filme-ensaio, explica Cleber Eduardo, é um estilo comum na Europa que começa a dar sinais por aqui. “A ideia, que chegou um pouco atrasada ao Brasil, era muito forte na Europa nas décadas de 1960 e 1970. Os trabalhos têm locução na primeira pessoa, a subjetividade do realizador. Entramos um pouco atrasados, e agora isso está virando moda em nosso país”, reconhece.

 Se o ensaio está na crista da onda no chamado cinema de autor, a comédia, sempre campeã de bilheterias no circuito comercial, parece não chamar a atenção de quem se dedica à produção independente. Havia apenas uma entre os 105 trabalhos inscritos para a mostra mineira. “Exibimos, sobretudo, diretores na casa dos 30 anos. Me impressiona como essa geração de menos de 40 é séria”, conclui Cleber Eduardo.

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