Marcelo Gomes denuncia o mundo de sentimentos padronizados em Era uma vez eu, Verônica

Longe de levantar bandeiras, o filme passa pelo caos do sistema público de saúde, e não se prende a denúncias desnecessárias

por Gracie Santos 16/11/2012 08:09

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Divulgacao/Recprodutora
(foto: Divulgacao/Recprodutora )
Verônica (Hermila Guedes) acaba de se formar em psiquiatria e inicia residência no Hospital Central, no Recife. Tem boas perspectivas profissionais; vive com o pai Zé Maria (W. J. Solha) invejável relação afetiva; e “conserva” à sua volta um homem apaixonado, Gustavo (João Miguel). O problema é que nada disso a impede de confessar ao seu gravador o inevitável: não se sente feliz. E o que falta? Ela decide enfrentar a pergunta e se desnuda diante da câmera de Marcelo Gomes em Era uma vez eu, Verônica. Verônica está em crise. Pensa que tem o coração de pedra. Na verdade, tem a cabeça aberta, pensa muito e se questiona a todo momento. Ela desconfia, como bem diz a música tema do filme, que “Tá tudo padronizado/ No nosso coração/ Nosso jeito de amar/ Pelo jeito não é nosso não/ Tá tudo padronizado...”. Mira ira é apresentada no longa em show da própria autora, outra recifense, Karina Buhr (e também interpretada por Hermila - incrível a semelhança das vozes). A trilha (de Karina e Tomaz Alves Souza) faturou um dos sete Candangos conquistados pelo longa no Festival de Brasília deste ano. E é apenas um dos vários trunfos do filme costurado nos mínimos detalhes por Marcelo Gomes, espécie de artesão da cena e da trama, a quem nada escapa. Nos filmes do diretor cada detalhe é pista para que se conheçam mais os personagens, do modo como andam, se vestem, onde vivem, o que comem.  Em Era uma vez eu, Verônica, ele trabalha a história em outro tempo, nada tem muita pressa. O que é bom para que o espectador se desacelere, ao mesmo tempo em que penetra na vida da doutora Verônica. Gostoso é percorrer as ruas e praias do Recife guiados pelo diretor, que desfila (com orgulho) sua cidade na tela, rara oportunidade. O carnaval da cidade, como não poderia deixar de ser, marca presença ainda que em cena rápida, que confirma ainda mais as dúvidas de Verônica. Se nada no filme de Marcelo Gomes é gratuito, até mesmo o nome da médica foi escolhido com segundas intenções. Verônica quer dizer imagem verdadeira. Que parece ser a própria (e constante) busca do cineasta, construir personagens, tramas e histórias de gente verdadeira, em cenas que beiram o real. Para isso, conta com atores que não temem desafios impostos aos personagens. Não é à toa que Hermila parece tão à vontade, mesmo diante de tanta exposição de corpo e alma de sua Verônica. É uma atriz totalmente em comunhão com a personagem. Por outro lado, pode-se perceber que a mão firme de Marcelo Gomes segura, em rédea curta, a interpretação de João Miguel, que costuma ser gigante em cena. Não deve ter sido fácil, mas Gustavo está totalmente entregue à sua amada; nas poucas vezes em que se expressa, o faz por um fio de voz. Longe de levantar bandeiras, o filme passa pelo caos do sistema público de saúde, e não se prende a denúncias desnecessárias. Pelo contrário, mostra que o comportamento do médico que se envolve e olha no olho do paciente tem grande influência no resultado do tratamento. O diretor conta que fez Era uma vez eu, Verônica motivado a investigar (e mostrar) questões que envolvem os jovens, em momento de balanço sobre suas escolhas profissionais e afetivas. Mas o filme vai além, mexe com a eterna falta que verônicas, marias e josés carregam vida afora. A Verônica de Marcelo Gomes duvida dos sentimentos que tem. Mas suas reflexões a levam a uma decisão difícil, que poucos têm coragem de fazer - e, por isso mesmo, poderá incomodar a quem prefere se distrair ou se esconder. Ela percebe que pode, enfim, decidir como será o seu final (feliz) - ou seria o futuro?

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