Documentário do cineasta Marcelo Machado traz minuciosa pesquisa sobre o Tropicalismo

Imagens surpreendentes revelam momentos emblemáticos da trajetória de Caetano e Gil

por Mariana Peixoto 11/10/2012 06:31

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(Eduardo Martino/divulgação)
Caetano Veloso confere as cenas de Tropicália, filme dirigido por Marcelo Machado (foto: (Eduardo Martino/divulgação))
Agosto de 1969. Em entrevista à rede portuguesa RTP, Caetano Veloso afirma que o Tropicalismo acabou como movimento. No início daquele ano, o baiano, ao lado de Gilberto Gil, havia passado dois meses na prisão e outros quatro confinado, graças à ditadura militar. Ao fazer essa declaração, numa rápida visita a Portugal, Caetano iniciara há pouco seu exílio londrino, que terminaria em janeiro de 1972. É a partir desse primeiro momento que Marcelo Machado retrocede ainda mais no tempo para contar a trajetória dos tropicalistas, iniciada poucos anos antes. “É quase um filme de celebração. Ele não se propõe a esgotar o assunto no sentido crítico e analítico”, defende o diretor de Tropicália. Depois de cumprir o circuito de festivais, o documentário chega a Belo Horizonte, com estreia nesta sexta-feira no Cine Belas Artes. Trata-se do primeiro de três novos longas sobre o Tropicalismo a ter lançamento comercial – os demais, só apresentados em festivais, são Futuro do pretérito: Tropicalismo now!, de Francisco Cesar Filho e Ninho Moraes, e Jorge Mautner – O filho do Holocausto, de Pedro Bial e Heitor D’Alincourt. “Todos eles dialogam entre si. Como tratam de eventos correlatos, acabam acrescentando uns aos outros”, afirma Marcelo Machado. Em Tropicália, por exemplo, Caetano Veloso é o protagonista inconteste. Já em Futuro do pretérito, que traz para o presente o que ocorreu no passado, o compositor baiano foi intencionalmente deixado de lado para se dar voz a outros personagens do movimento. Machado, que iniciou sua trajetória no audiovisual por meio do vídeo (é cofundador, ao lado de Fernando Meirelles, da produtora Olhar Eletrônico, que fez história no meio na década de 1980) e tem forte atuação na televisão, trabalhou no projeto por cinco anos. Até encontrar o formato final, procurou vários caminhos narrativos. “Desde o início, sabia que a forma narrativa iria determinar a própria forma do filme”, observa. No primeiro momento, pensou em um narrador estrangeiro que viesse agora ao Brasil para tentar entender o Tropicalismo. “Fui atrás do Beck, do Jach Condon (líder da banda Beirut) e de outros músicos que gostam da Tropicália para ver se topavam fazer essa jornada ao Brasil. Era um caminho ruim, pois viraria o filme daquele artista.” Outra opção, logo descartada, foi criar um filme-evento com músicos brasileiros daquela geração. “Seria um caminho muito caro para ser feito como eu queria”, observa. Concomitantemente, grande pesquisa sobre o período estava sendo feita. “Até que chegou o momento em que percebi que a pesquisa era o próprio caminho”, explica Machado. Esse foi o pulo do gato para a realização de Tropicália. A maior parte dos 90 minutos do documentário traz imagens de arquivo – fotos, vídeos, filmes, desenhos –, numa costura sem retoques e longe de amarras estéticas. O garimpo se deu nos arquivos da Cinemateca Brasileira, do Museu de Arte Moderna, da TV Record e coleções particulares. “Era como chegar à casa de alguém que esteve com Caetano e Gil no período do exílio e descobrir que a pessoa tem um Super-8 da época. Isso acabou se transformando em verdadeira obsessão, então pedi à produção que a arte trabalhasse ao lado da montagem”, conta Machado. Dessa maneira, o realizador deixa vir à tona sua experiência anterior no audiovisual. Há filmes em preto e branco que são coloridos, imagens estéticas que ganham movimento.
(Bossa Nova Films/divulgação)
Caetano e Gil (c) com Jorge Ben, Mutantes e Gal: estética além do preconceito (foto: (Bossa Nova Films/divulgação))
TV
Foi nessa busca incessante que Machado chegou à apresentação de Caetano e Gil para a TV portuguesa que abre o filme. “Comecei a ler as cartas que o Caetano escrevia para o Pasquim durante o exílio até ele dizer que haviam passado por Portugal e feito um programa. Tinha um amigo lá e pedi-lhe para dar uma olhada nos arquivos da RTP. Ele me retornou dizendo que o site trazia tudo organizado. Ou seja, a gente estava na cara do gol. E era um material que ninguém tinha buscado antes.” Outra pepita que o filme de Machado traz à tona, 40 anos depois: o show dos tropicalistas na edição de 1970 do Festival da Ilha de Wight, no Reino Unido. “A existência das imagens é conhecida, só que ninguém as tinha buscado. No documentário Miles Davis – Isle of Wight, quando a câmera dá uma panorâmica na plateia, você vê Gil e Caetano sentados”, lembra o cineasta. O documentário traz claramente três atos. O primeiro com a explosão do movimento, o seguinte com a chegada do período mais duro da ditadura, depois do AI-5, e o final com a volta dos baianos exilados. Em torno deles há figuras muito emblemáticas, como Glauber Rocha, Hélio Oiticica, Mutantes, Tom Zé, o maestro Rogério Duprat, Gal Costa, Maria Bethânia e Nara Leão. Alguns artistas gravaram depoimentos para o filme. Gil e Caetano foram levados para um estúdio, onde assistiram, pela primeira vez, a algumas cenas. “Tentei muito fugir da figura deles, pois, quando comecei, minha intenção, claramente, era narrar a história de um coletivo. Sempre achei que uma das maiores riquezas do Tropicalismo foi o encontro de pessoas tão diferentes – um grupo de baianos com maestro e roqueiros de São Paulo – em momento e ambiente tão profícuos. O protagonismo dos dois é tão determinante que eles acabaram se impondo”, conclui Machado A trilha A chegada do documentário Tropicália aos cinemas vem acompanhada do lançamento da trilha sonora em CD com 17 faixas – oito com Caetano. Há muito material batido na seleção, mas são canções obrigatórias do período, como Tropicália, Domingo no parque, Alegria, alegria, Panis et circenses e É proibido proibir. O início do álbum, no entanto, traz músicas menos executadas, como Alfômega (de Gil, interpretada por Caetano), Quero sambar, meu bem (Tom Zé), A voz do morto (de Caetano, que divide os vocais com os Mutantes) e Coração materno (Vicente Celestino, no provocador registro que Caetano fez, em 1968, para o álbum-manifesto Tropicália ou Panis et circenses). Outros olhares >> Futuro do pretérito: Tropicalismo now! - (Francisco Cesar Filho e Ninho Moraes) Documentário literomusical que mistura entrevistas, shows e intervenções. No Teatro Oficina, o compositor André Abujamra promove a releitura das canções do Tropicalismo intercaladas com depoimentos de Gilberto Gil, José Miguel Wisnik, Laymert Garcia dos Santos, Cláudio Prado, Celso Favaretto e Marcelo Ridenti. Uma visão a partir da era digital para as propostas dos artistas que fizeram parte do movimento no fim dos anos 1960. >> Jorge Mautner – O filho do Holocausto  - (Pedro Bial e Heitor D’Alincourt) Cinebiografia do compositor de Maracatu atômico. A narrativa abrange da fuga de seus pais (um judeu austríaco e uma católica iugoslava) do nazismo, período em que Mautner nasceu, ao show promovido para o documentário, passando pelo prêmio Jabuti conquistado com o livro Deus da chuva e da morte, escrito por Mautner aos 15 anos, a prisão durante a ditadura militar e o exílio em Londres, ao lado de Gil e Caetano. Assista ao trailer do filme:


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