Cinema francês está na moda

Terceiro produtor do mundo, a França vive bom momento graças ao sistema de apoio do governo à realização, às grandes bilheterias e à visibilidade das obras no exterior

por Carolina Braga 30/09/2012 13:38

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THIERRY VALLETOUX/Divulgação
Sucesso de público e crítica, Intocáveis somou 20 milhões de ingressos na França aos 23 milhões em todo o mundo (foto: THIERRY VALLETOUX/Divulgação)

A estreia do longa Fausto, do russo Alexander Sokurov, interrompeu a supremacia francesa nas telas do Cine Belas Artes. Mas apenas em parte. A comédia Os infiéis e o drama Polissia permanecem ocupando duas das três salas do espaço, o que confirma que a produção contemporânea da França tem dado sinais de estar passando por bom momento.

Escolhido para representar o país na disputa pelo Oscar de melhor filme estrangeiro em 2013, Intocáveis vendeu mais de 20 milhões de ingressos em seu país e outros 23 milhões no exterior. Os números expressivos alcançados pela obra contribuem para varrer as dúvidas: 2012 tem sido um ano especial para a visibilidade da produção cinematográfica francesa no exterior. Pela lógica do sistema de produção no país, esse movimento tende a aumentar.

“A França é um país que produz muito cinema. É incrível. É o terceiro no mundo. Temos um sistema de financiamento para produções e de proteção também que é impressionante. Além disso, os franceses gostam do que assistem”, comenta a atriz Astrid Berges-Frisbey. Ela é a protagonista de A filha do pai, o primeiro longa dirigido pelo celebrado ator Daniel Auteuil (Caché). Na estreia dele atrás das câmeras, teve cerca de 1,3 milhão de espectadores.

Para o Brasil, o valor já representaria uma boa bilheteria, pois, por aqui, os exemplares nacionais não costumam ultrapassar a marca de 1 milhão, somente as comédias. Porém, os padrões franceses andam em alta, vide o caso Intocáveis. É justamente a adesão da plateia local que tende a aquecer ainda mais a produção.

É que o sistema de apoio do governo francês ao audiovisual depende diretamente do número de pessoas que vão ao cinema. Por lá, a dinâmica de fomento se divide em três nortes: o aporte financeiro do Centro Nacional de Cinematografia, a contribuição dos canais de televisão, tanto na compra de filmes como na realização, e também a coprodução internacional.

O Centro Nacional de Cinematografia (CNC) é o responsável pela maior parcela de investimentos. Criado em 1946, foi reformulado em 2009 e se caracteriza pela reunião de três tipos de taxas. A primeira delas incide sobre a distribuição de conteúdo televisivo, a segunda sobre vendas de vídeos e DVDs e a mais curiosa de todas é um imposto sobre o preço dos ingressos.

Saldo distribuído

Batizada Taxa Especial Adicional (TSA), ela representa 10,9% do valor de cada ingresso. É um dinheiro recolhido pelo Estado mas que vai diretamente para o setor audiovisual. Ele compõe o montante total dessa espécie de fundo, que, anualmente, tem o saldo distribuído por meio de editais. “Mesmo nesse contexto da crise europeia, temos uma produção que ainda é muito forte. São 140, 150 filmes por ano. São muitos diretores estreantes e também curtas-metragens”, informa Jean-Pierre Denis, diretor de Aqui embaixo, um dos longas que integraram a programação da última edição do Festival Varilux de Cinema Francês.

Segundo ele, como se trata de um mecanismo que privilegia um tipo de retroalimentação, há tendência de o próprio governo favorecer a comédia, já que se trata de um cinema rentável. “As comédias alimentam o cinema, dando o sustentáculo para esse financiamento. Elas trazem dividendos. É um mecanismo público muito inteligente, por causa desse refinanciamento”, completa Denis.

Para o crítico e pesquisador Pedro Guimarães, historicamente o cinema francês é tratado como uma segunda opção em relação à dominação americana, salvo casos da Índia e alguns países árabes. “É uma onda que vai e volta. É um ano bom porque eles conseguem exportar muito”, comenta. Casos como Intocáveis são esporádicos. Basta lembrar o fenômeno levantado por Amelie Poulin em 2001 e as estatuetas do Oscar conquistadas este ano pelo filme O artista, de Michel Hazavinicius.

O exemplo do longa dirigido por Olivier Nakache e Eric Toledano, porém, pode ser entendido como uma tentativa mais radical de aproximação da linguagem de Hollywood. “Eles têm uma vontade muito grande de fazer algo parecido com aquilo que os americanos fazem, visando ao mercado interno de lá”, explica Pedro. Não é à toa que já circulam boatos sobre uma possível refilmagem (pelos americanos) da trama sobre o tetraplégico e seu cuidador.

“O filme é muito americano. Você percebe que ele foi feito para agradar a uma audiência. É o mesmo caso de O artista. Seu diretor era desconhecido na França. Estava no segundo longa, era um ‘zé-ninguém” e caiu em um sistema de produção”, detalha o pesquisador. Se comparada à produção de outros países europeus como Alemanha, Itália e Espanha, os filmes franceses circulam mais não só pela melhor situação econômica. “A França tem um sistema de exportação por meio de institutos, esquema diferente dos outros países”, ressalta.

Dados expressivos

No Brasil, por exemplo, há mais de 10 anos a Embaixada da França mantém um setor responsável pelo reforço da divulgação do audiovisual francófano. Além de disponibilizar informações gerais sobre o mercado da área, auxilia na distribuição dos filmes e presta consultoria sobre as possibilidades de coprodução com os cineastas brasileiros. A embaixada também mantém atualizado o site cinefrance.com.br, com dados sobre lançamentos, festivais e mecanismos de financiamento.

De acordo com os dados divulgados no endereço, estão ou estiveram em cartaz comercialmente no Brasil, nos últimos meses, 15 produções e sete coproduções da França com outros países. Deste grupo fazem parte Na estrada, de Walter Salles, e 360, de Fernando Meireles. Ainda que o número seja tímido diante da máquina industrial dos Estados Unidos, é muito expressivo principalmente em relação ao Brasil.

Produções recentes

» A arte de amar (L'art d'aimer), de Emmanuel Mouret
» De volta para casa (A moi seule), de Frédéric Videau
» Políssia (Polisse.), de Maiwenn Le Besco
» Tudo o que desejamos (Toutes nos envies), de Philippe Lioret
» A delicadeza do amor (La délicatesse), de David Foenkinos e Stéphane Foenkinos
» A guerra dos botões (La guerre des boutons), de Yann Samuell
» A Rebelião (L'ordre et la morale.), de Mathieu Kassovitz
» As neves do Kilimanjaro (Les neiges du Kilimandjaro), de Robert Guédiguian
» Intocáveis (Intouchables), de Eric Toledano e Olivier Nakache
» L'Apollonide, os amores da casa de tolerância (L'Apollonide, souvenirs de maison close), de Bertrand Bonello
» My way, o mito além da música (Cloclo), de Florent-Emilio Siri
» O gato do rabino (Le chat du rabbin), de Joann Sfar
» Os infiéis (Les infidèles), de Michel Hazanavicius, Emmanuelle Bercot, Fred Cavayé, Alexandre Courtès, Jean Dujardin, Eric Lartigau e Gilles Lellouche
» Um gato em Paris (Une vie de chat), de Alain Gagnol e Jean-Loup Felicioli

Coproduções

» 360 (Áustria/Brasil/França/Reino Unido), de Fernando Meirelles
» A fonte das mulheres (Bélgica/ França/Itália), de Radu Mihaileanu
» A vida de outra mulher (Bélgica/ França/Luxemburgo), de Sylvie Balyot
» Além da liberdade (França/Reino Unido), de Luc Besson
» Cosmópolis (Canadá/França), de David Cronenberg
» Elles (Alemanha/ França/Polônia), de Malgorzata Szumowska
» Na estrada (Estados Unidos/ França/Reino Unido), de Walter Salles
» O monge (Espanha/França),
de Dominik Moll

Números do cinema

» FRANCÊS
180
filmes lançados em 2011

5.464
salas de cinema no país

» BRASILEIRO
99
filmes lançados em 2011

2.352
salas de cinema no país

Fonte: Dados fornecidos por Paule Maillet, adida do audiovisual da Embaixada da França

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